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quinta-feira, 15 de maio de 2014

MIGUEL TODO VESTIDO DE AMOR

Mais uma vez peguei o caminhão que os cariocas insistem em chamar de ônibus. Há séculos que não circula no Rio de Janeiro um único ônibus. O Rio de Janeiro é uma cidade que transporta pessoas em caminhões de mercadorias. A suspensão é de caminhão, o chassis é de caminhão, a embreagem é de caminhão e até o motorista coitado, é de caminhão.
Pois bem. Estava eu sentado com a minha pasta sobre os joelhos, vociferando com os meus botões, quando entrou no caminhão um garotinho muito lindo de olhos puxadinhos e cabelo castanho claro muito bem cortado. Além de lindo estava esmeradamente vestido. A faixa verde do tênis combinava com a camisa pólo. Aquele garotinho era o reflexo eloquente do mais puro zelo.
A mãe o acompanhava. A mãe também era bonita, mas já tinha estragado o corpo como se diz por aí, com a gravidez do garoto. Tinha uma barriga um pouco pronunciada, comum em algumas mulheres que deram à luz. Usava óculos escuros que lhe ficavam muito bem. Ouvia-a dizer com muita ternura:
- Miguel vem sentar perto da mamãe.
- Não quero. Quero sentar aqui.- Resmungava Miguel
- Você vai cair Miguel.
- Hum. Quero sentar aqui.- Insistia Miguel.
- Assim você não vem mais com a mamãe.-  Ameaçava com muito carinho a mãe amorosa.
- Hum, hum!-  Exclamava Miguel muito chateado.
Chegou a hora de descerem do caminhão. Estava sentado perto da janela e acompanhei toda a cena. A mãe tentava pegar Miguel pela mão e este rejeitava o gesto da mãe, afastando-se dela. Ela tentou várias vezes mas não conseguiu. Miguel estava furioso e  irredutível.
O caminhão continuou o seu percurso inelutável rumo ao meu lugar  de culto. Não sou evangélico, mas trabalho pra caramba. Hoje o trabalho é mais sagrado que o santo sepulcro e bota sepulcro nisso.
Cheguei ao templo do labor sacrossanto e surpreendi-me pensando em Miguel e sua mãe. Mas que garotinho idiota. Idiotice comprensível dada a faixa etária do imbecil. Miguel era o protótipo do garoto Tirano em potencial, desses que povoam e estragam os valores do mundo. 
Imaginei Miguel com 15 anos - um Hitler reencarnado como tantos que conheço que dão ordens aos pais e não conhecem limites.
Considerando a Anestesia Geral da pós-modernidade não sei se todos sentiram o extremado amor daquela mãe. O amor é uma merda mesmo. Que coisa velha e cafona! Por tanto amar aquele monstrinho lindo e irresistível, a mãe de óculos escuros estava cega.
Não sei se todos viram, nem me interessa, mas eu garanto que vi Miguel todo vestido de amor.

Um comentário:

  1. Eu entendi muito bem o que vc disse. Eu sou mãe de um Miguel. Caroline

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Não diga besteira