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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Schadenfreude: quando a minha desgraça é a sua felicidade

Schadenfreude é uma palavra alemã, Schaden (dano) e Freude (alegria), utilizada para designar o prazer obtido com os problemas dos outros. É a palavra que dá significado ao sentimento descrito no dito popular "pimenta nos olhos dos outros é refresco".
Schadenfreude pode ser observado desde as risadas causadas pelo palhaço de circo que escorrega na casca de banana, ao prazer de algumas pessoas com os problemas de Britney Spears dois anos atrás (cujas fotos decadentes estiveram esparramadas por todos os tablóides em um grande exempo da palavra), ao prazer com o divórcio da amiga que parecia ter o casamento perfeito. Todos são exemplos deste sentimento nunca comentado mas generalizado na população.

Desde os tempos bíblicos há menções de uma emoção semelhante na descrição ao schadenfreude: "Quando cair o teu inimigo, não te alegres, nem se regozije o teu coração quando ele tropeçar; Para que, vendo-o o Senhor, seja isso mau aos seus olhos, e desvie dele a sua ira" (Provérbios 24:17-18). Na Grécia clássica, Aristóteles usou o termo epikhairekakia na obra Ética a Nicômaco, que quer dizer "alguém que sente prazer com o infortúnio de outro"

Quando o conceito passou a ser incorporado no linguajar europeu, apenas sua menção causava horrores. Mesmo o lúgubre filósofo alemão do século 19 Arthur Schopenhauer considerava este prazer terrível demais para ser contemplado e embora ateu, Shopenhauer dizia que schadenfreude era obra do diabo. Teólogos protestantes e católicos posteriormente denunciaram schadenfreude como um grave pecado, embora poucos estejam livre dele.

 
Homer imagina a desgraça de Flanders com um   sorriso nos lábios no episódio "When Flanders Fails" (Quando Flanders Falha) da terceira temporada do desenho americano Os Simpsons
Schadenfreude atrai porque é uma vingança desempenhada sem qualquer esforço por parte do observador. A sensação é parecida com a conquista de um inimigo. E é justamente por esta razão que Friedrich Nietzsche argumentava que o sentimento é de fato perigoso. O prazer sentido é ilegítimo e desta forma culposo; o indivívuo nada fez para o receber. Uma vitória recebida sem qualquer competição não pode ser nada mais do que "vendeta imaginária", apenas uma satisfação virtual. Nietzsche chegou até mesmo a hipotetizar que sentimentos de inferioridade intensificam o schadenfreude.
O famoso filósofo alemão estava no caminho certo. R.H. Smith, um psicólogo da Universidade de Kentucky nos EUA, estudioso da inveja em psicologia social, escreveu diversos artigos que trazem evidências do que Nietzsche teorizou. Smith realizou um experimento no qual estudava reações a histórias aparentemente verdadeiras de dois estudantes de medicina que arruinaram suas carreiras ao roubar drogas do laboratório da universidade. Um deles era rico, bonito e bom aluno. O outro era o oposto. Os voluntários no experimento de Smith sentiram mais alegria ao ver o infortúnio do aluno que apresentava maior sucesso. Os achados de Leach et al., publicados em 2003 no Journal of Personality and Social Psychology reforçam estes achados. Os pesquisadores deste estudo, analisaram o sentimento de prazer com a perda alemã no futebol.
Os psicólogos que investigam a área baseiam seu trabalho no que é conhecido como Social Comparison Theory (Teoria da Comparação Social). O campo foi concebido na década de 1950 por Leon Festinger e é baseado na premissa de que os humanos avaliam-se não tanto por objetivos estandardizados mas por comparação aos outros em seu redor. Uma piadinha americana exemplifica isso:
Dois homens estão caminhando pela floresta quando encontram um urso. O primeiro abre sua mochila e pega seus tênis. "Porque você vai colocar tênis?'', pergunta o segundo. "É impossível correr mais que um urso". "Eu não tenho que correr mais que o urso", responde o homem, "só tenho que correr mais que você".
 
O jogador Ronaldo, vítima de Schadenfreude ao ter seu nome associado a uma orgia com travestis
Segundo esta teoria, nossos sucessos e insucessos na verdade são assim concebidos com base no que as pessoas ao nosso redor têm ou fazem - fazemos comparações sociais. Quando as pessoas à nossa volta sofrem perdas, isso faz com que nosso desempenho melhore.
Aaron Ben-Ze'ev, professor de filosofia na Universidade de Haifa, em Israel, teoriza que as pessoas que invejamos mais são as mais próximas em nosso círculo social. Em entrevista ao New York Times, ele disse: "Você inveja mais um colega que ganha mil dólares a mais por ano do que um presidente de empresa, que ganha milhões de dólares a mais". Ele continua: "Também invejamos mais pessoas famosas, elas são símbolos para nós".
No campo dos estudos de imagem, Takahashi et al, estudaram a neurologia deste sentimento proibido. Os autores utilizaram fMRI (Ressonância Magnética Funcional) para avaliar a ativação cerebral aos sentimentos de inveja e schadenfreude em 19 voluntários. Os resultados foram publicados na revista Science em 2009:
No experimento de inveja, os voluntários deveriam visualizar cenários nos quais eram protagonistas. No primeiro cenário, um estudante A foi bem nas provas da faculdade, mas o protagonista não foi. A é um atleta talentoso (ao contrário do protagonista), é popular com as garotas e tem uma bela e inteligente namorada (ao contrário do protagonista). A foi bem numa entrevista de emprego e está se dando muito bem no trabalho. Seu salário é bom e ele vive com estilo (ao contrário do protagonista).
No experimento de schadenfreude, o protagonista sai-se bem melhor do que A. As análises envolveram comparação da ativação em diferentes regiões cerebrais aos cenários de inveja, schadenfreude e neutro e os voluntários também graduaram seus próprios sentimentos de inveja e regozijo em cada cenário. Os resultados mostraram que o cenário de inveja levou a maior ativação do córtex cingulado anterior (CCA) e este achado foi correlacionado a maiores sentimentos relatados de inveja. O CCA é relacionado a detecção de erros ou conflitos - quando a resposta esperada não é a que acontece. O CCA também é ativado na dor, dor empática ou dor associada a exclusão social. A ativação do CCA só aconteceu quando o voluntário conseguia se relacionar com o objeto de sua inveja. Se o voluntário imaginasse que a pessoa alvo é irrelevante para comparação, os resultados mostravam indiferença (o que corrobora a hipótese de Ben-Ze'ev).
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Em Portugal o apresentador de TV Carlos Cruz teve seu nome arrastado na lama ao ser associado a um escândalo de pedofilia no Processo Casa Pia. Vítima de schadenfreude, a última reportagem que li dele foi dizendo que agora saía de férias em um trailer para parques de campismo ao invés de ficar em hotéis 5 estrelas.
Os cenários de schadenfreude causaram ativação no estriado ventral e esta ativação foi correlacionada a sentimentos auto-referidos de schadenfreude. Da mesma forma que no cenário de inveja, a correlação só foi positiva quando o exemplo alvo era relevante para comparação pessoal. A ativação do estriado ventral é tipicamente associada a estímulo de recompensa e os autores interpretaram sua ativação com sentimentos de prazer.
Os autores concluem com a proposta de um mecanismo neurológico para inveja e schadenfreude, que podem ser mediados de diversas formas. Uma delas é que a pessoa em questão, alvo dos sentimentos deve ser importante para um indivíduo. O quanto você empatiza com este indivíduo alvo determina a intensidade dos sentimentos de inveja e schadenfreude.
Fulford (2003) em sua coluna no National Post acredita que ocasionalmente o schadenfreude pode ser justificado e prazeroso. O autor descreve a história de Peter Gay, que relata em seu livro My German Question seu episódio de prazer com a desgraça alheia: Gay era um adolescente judeu perseguido na alemanha nazista. Ele se lembra do prazer que sentiu ao ver os atletas alemães perdendo medalhas para aqueles que tinham certeza que eram seus inferiores (especialmente para um negro americano no atletismo). Enquanto os fãs alemães agoniavam, Gay deliciava-se. Schadenfreude, segundo Gay, "pode ser um dos grandes prazeres da vida."
P.S. - Schadenfreude [/ˈʃɑː.dənˌfrɔɪ.də/], literalmente, alegria ao dano) é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro. Em português o termo mais adequado para se traduzir schadenfreude é “escárnio” (não podendo, no entanto, ser tido como um sinónimo absoluto).
A palavra deriva do alemão Schaden “dano, prejuízo” e Freude “alegria, prazer”.
Existe uma distinção entre schadenfreude discreta, o sentimento íntimo pessoal e schadenfreude pública, que se expressa abertamente mostrando escárnio, ironia ou sarcasmo perante a desventura sofrida por um terceiro.
Na língua portuguesa o sentimento de satisfação pelo infortúnio de outro expressa-se na exclamação "bem feito a ele ou ela" (schadenfreude pública).
"Que coisa mais medonha de se imaginar que uma língua possa possuir uma palavra que expresse o prazer que o homem sente para com calamidades alheias; a própria existência da palavra presta testemunho da existência da coisa. E mesmo assim, em mais de um idiotal palavra existe ...
No grego epikhairekakia, no alemão Schadenfreude." 
Richard C. Trench


Um comentário:

  1. Acho curioso como uma coisa leva a outra, igual, parecida ou diferente - isso não importa.
    Lembrei de uma cena em que um homem, depois de golpear e jogar ao chão um outro por inveja, só lhe restou, num ato de supremo desprezo, pisar com sua bota os óculos de grau caídos ao lado, esmigalhando-o. E foi embora, seguindo seu caminho.
    Abraços, Joaquim!

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