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sábado, 27 de maio de 2017

A ciência do palavrão


Os xingamentos mostram a evolução da linguagem, das sociedades e, de quebra, ajudam a desvendar o cérebro

Por que diabos “merda” é palavrão? Aliás, por que a palavra “diabos”, indizível décadas atrás, deixou de ser um? Outra: você já deve ter tropeçado numa pedra e, para revidar, xingou-a de algo como “filha-da -puta”, mesmo sabendo que a dita nem mãe tem.
Pois é: há mais mistérios no universo dos palavrões do que o senso comum imagina. Mas a ciência ajuda a desvendá-los. Pesquisas recentes mostram que as palavras sujas nascem em um mundo à parte dentro do cérebro. Enquanto a linguagem comum e o pensamento consciente ficam a cargo da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões “moram” nos porões da cabeça. Mais exatamente no sistema límbico. É o fundo do cérebro, a parte que controla nossas emoções. Trata-se de uma zona primitiva: se o nosso neocórtex é mais avantajado que o dos outros mamíferos, o sistema límbico é bem parecido. Nossa parte animal fica lá.
E sai de vez em quando, na forma de palavrões. A medicina ajuda a entender isso. Veja o caso da síndrome de Tourette. Essa doença acomete pessoas que sofreram danos no gânglio basal, a parte do cérebro cuja função é manter o sistema límbico comportado. Elas passam a ter tiques nervosos o tempo todo. E, às vezes, mais do que isso. De 10 a 20% dos pacientes ficam com uma característica inusitada: não param de falar palavrão. Isso mostra que, sem o gânglio basal para tomar conta, o sistema límbico se solta todo. E os palavrões saem como se fossem tiques nervosos na forma de palavras.
Mas você não precisa ter lesão nenhuma para se descontrolar de vez em quando, claro. Como dissemos, basta tropeçar numa pedra para que ela corra o sério risco de ouvir um desaforo. Se dependesse do pensamento consciente, ninguém nunca ofenderia uma coisa inanimada. Mas o sistema límbico é burro. Burro e sincero. Justamente por não pensar, quando essa parte animal do cérebro “fala”, ela consegue traduzir certas emoções com uma intensidade inigualável. Os palavrões, por esse ponto de vista, são poesia no sentido mais profundo da palavra. Duvida?
Então pense em uma palavra forte. “Paixão”, por exemplo. Ela tem substância, sim, mas está longe de transmitir toda a carga emocional da paixão propriamente dita. Mas com um grande e gordo “puta que o pariu” a história é outra. Ele vai direto ao ponto, transmite a emoção do sistema límbico de quem fala direto para o de quem ouve. Por isso mesmo, alguns pesquisadores consideram o palavrão até mais sofisticado que a linguagem comum.
É o que pensa o psicólogo cognitivo Steven Pinker, da Universidade Harvard. Em seu livro mais recente, Stuff of Thought (“Coisas do Pensamento”, inédito em português), ele escreveu: “Mais do que qualquer outra forma de linguagem, xingar recruta nossas faculdades de expressão ao máximo: o poder de combinação da sintaxe; a força evocativa da metáfora e a carga emocional das nossas atitudes, tanto as pensadas quanto impensadas”. Traduzindo: palavrões são f*.
Tão f* que nem os usamos só para xingar. Eles expressam qualquer emoção indizível, seja ruim, seja boa. Então, se um jogador de futebol grita palavrões depois de marcar um gol, ele não o faz por ser mal-educado, mas porque só uma palavra saída direto do sistema límbico consegue transmitir o que ele está sentindo. Outra prova de eficácia é que eles estreitam nossos laços sociais. Se você xingar alguém gratuitamente e o sujeito não ficar bravo, significa que ele é seu amigo. Daí que grupos de homens adoram usar cumprimentos como “Fala, cuzão!” Isso deixa claro que todos ali são íntimos. “Perceber o xingamento como agressão ou ferramenta social depende do contexto”, disse o psicólogo Timothy Jay, da Faculdade de Artes Liberais de Massachusetts, para a revista americana New Scientist. “Num vestiário masculino, por exemplo, quem não xinga é o ‘panaca’”.
Timothy Jay sabe do que está falando. É um expert em palavrões. Ele passou as últimas 3 décadas anotando as sujeiras que ouvia em lugares públicos. Juntou mais de 10 mil ocorrências. E colocou em números cientificamente rigorosos (na medida do possível) aquilo que você já sabia: “foda” e “merda” (ou “fuck” e “shit”) correspondem à metade de todos os palavrões ditos – sem contar suas variantes.
Não é à toa. Como os palavrões nascem na parte primitiva do cérebro, quase todos versam sobre as duas coisas mais básicas da existência:
Sexo e excrementos
Veja só. “Merda” é um palavrão mais ofensivo que “mijo”, por sua vez mais pesado que “cuspe”, que nem palavrão é. Se você fosse excretar alguma dessas coisas na rua, essa também seria a ordem de impacto nas outras pessoas – do mais para o menos chocante. Coincidência? “Não. Não é por acaso que as substâncias que mais dão nojo também sejam vetores de doenças. A reação de repulsa à palavra é o desejo de não tocar ou comer a coisa”, afirma o médico americano Val Curtis no livro Is Hygiene in Our Genes? (“A Higiene Está nos Nossos Genes?”, sem tradução para português).
Se é fácil entender por que excrescências são palavrões, não dá para dizer o mesmo sobre os termos ligados ao sexo. Afinal, sexo é bom, não? Não necessariamente. “Ele traz altos riscos, incluindo doenças, exploração, pedofilia e estupro. Esses males deixaram marcas nos nossos costumes e emoções”, diz Pinker. Foquemos em “estupro”. Pegar mulheres à força permitia que um macho fizesse dezenas, centenas de filhos, coisa que contou pontos no jogo da evolução. Já para as mulheres isso é o inferno. Então selecionar o pai é fundamental, e engravidar de alguém que a violentou, um baita prejuízo.
Daí foi natural que a expressão “foder alguém” virasse sinônimo de “fazer um grande mal”. Para entender isso melhor, complete a frase “João ___ Maria” para mostrar que eles transaram, usando apenas uma palavra. Quase todas as opções para preencher a lacuna são palavrões. Já os termos leves para relação sexual sempre carregam a preposição “com”: você pode dizer que João fez amor com Maria, dormiu com, fez sexo com, transou com… Todos os exemplos indicam que João e Maria participaram do sexo de igual para igual. Com os palavrões, a história é outra. Eles deixam claro: Maria está sempre numa posição inferior.
Note que a origem de “fodido” e seus equivalente não envolve o sexo apenas como uma ferramenta de submissão de homens contra mulheres. Mas de homens contra homens também. O estupro homossexual sempre foi, e segue sendo, uma forma eficaz de deixar claro num bando de machos quem é o chefe – a violência sexual dentro dos presídios está aí para provar. A coisa é tão arraigada que até uma palavra inocente hoje, como “coitado” ou “tadinho”, sua variante mais fofa, significa “aquele que sofreu o coito”.
Mas espera aí: como algo tão barra-pesada vira uma palavra até bonitinha? É o que vamos ver.
A vida e a morte de um palavrão
“Que se dane!”, “diabos” ou “vá para o inferno” já foi algo mais impactante. Claro: até décadas atrás não havia prognóstico pior que não ir para o céu quando morresse. Então, quando a idéia era insultar para valer, nada melhor que mandar alguém para o inferno. “A perda de eficácia das palavras tabus relacionadas à religião é uma óbvia conseqüência da secularização da cultura ocidental”, afirma Pinker.
Outra: quando “câncer” era sinônimo de morte, também não podia ser dita livremente. Nos obituários, a pessoa não morria de câncer, mas de “uma longa enfermidade”. Com os avanços no tratamento, a coisa mudou de figura, e câncer, apesar de ainda dar calafrios, virou uma palavra bem mais corriqueira. As doenças em geral, na verdade, passaram por um processo parecido. Em Romeu e Julieta, de Shakespeare, por exemplo, há uma passagem dizendo: “Que a peste invada as casas de ambos!” Uma baita ofensa no século 16, quando a peste bubônica ainda era uma ameaça na Europa. Mas agora, no mundo limpo e cheio de antibióticos que a gente conhece, o xingamento shakespeariano parece inócuo.
E também há o inverso: palavras normais que viram tabu. Em algum momento da história do português um sujeito chamou pênis de “pau”. E uma palavra originalmente “pura” enveredava para o mau caminho. Nada mais comum: hoje ninguém se lembra mais de “caralho” como sendo a cestinha que ficava no alto do mastro dos navios, ou “boceta” como uma caixa pequena e redonda. “A palavra vira tabu quando ganha um sentido simbólico”, afirma o etimólogo Deoníoso da Silva, da Universidade Estácio de Sá.
Mais uma mostra de como os palavrões flutuam com o espírito do tempo são as expressões que são tabu num lugar e não têm nada de mais em outro. Se você for a Portugal, vai ver que eles preferem cu e rabo para referirem-se às nádegas, e que coram quando alguém fala “broche” (o termo sujo para sexo oral).
Mas quem decide o que é palavrão e o que não é? “Isso depende dos mecanismos de conservação da língua, que são o ensino, os meios de comunicação e os dicionários. As palavras relacionadas a sexo que não são palavrões são quase todas da literatura científica, como pênis e ânus”, explica a lingüista Wânia de Aragão, da Universidade de Brasília. Não que isso impeça termos científicos de hoje, como “pedófilo”, de virar palavra suja um dia. A palavra “esquizofrênico”, por exemplo, nasceu na ciência, mas agora, com o aumento dos dignósticos de doenças mentais, caiu na boca do povo. E está virando xingamento.
Mas saber quais serão os palavrões do futuro é tão impossível quanto prever o futuro da tecnologia, da humanidade ou do Corinthians. O escritor e comediante inglês Douglas Adams, resumiu isso bem no clássico O Guia do Mochileiro das Galáxias. O livro diz que o palavrão mais sujo entre os habitantes dos outros planetas da Via Láctea é uma expressão bem conhecida dos terráqueos: “bélgica”.
Superinteressante

sábado, 20 de maio de 2017

A festa do fim do mundo

Agora que o mundo parece que acabou, comemore à sua maneira. Se você acha que o mundo não acabou, seguramente você não está neste mundo. Acorde desse mundo fictício que te inventaram. Seja mais um assassino de papai noel. Apunhale as fadas que reinam nas suas sinapses. Desperte para o  fim do que é péssimo e prepare-se  para o porvir. Vomito nas interpretações que você pode dar às minhas palavras. E aproveito o ensejo para ejacular no seu otimismo. Não nutro o entusiasmo de quem não tem coragem.
Agora que o mundo acabou alegre-se pelo recomeço. O podre não tem remédio. E quem se regozija na podridão é um  morto-vivo. Quem lambe os velhos erros é o arauto da catástrofe.
Viva o fim  do mundo! Quanto tempo esperei por este momento orgástico. Festejo o fim desta agonia em dez vezes sem juros e absorvo o impacto do fim de tudo. Aceito a morte que me redime de tantos e tantos idiotas que presidem o hospício. A certeza do fim é muito melhor que todas as ilusões dos que começam.
Ergo o meu copo de vinho barato e trinco a delícia deste chocolate amargo. Viva o fim do mundo!

sábado, 6 de maio de 2017

Ódio à primeira vista

Existem certas pessoas cujos atos, ideologia ou aspecto nos causam uma imediata rejeição, embora não as conheçamos. Nesses casos, sua simples imagem pode gerar um sentimento de repulsa que de algum modo, somos capazes de entender. Mas há ocasiões em que alguém nos cai mal e não podemos encontrar as razões. Não se trata de alguém repulsivo: certamente cairá muito bem para muitas outras pessoas − mas não para nós. Nestes casos em que o sentimento próprio não corresponde à tônica geral, pensamos: o que faz com que as pessoas nos caiam bem ou mal à primeira vista? Fala-se muito das paixões e do amor à primeira vista, mas menos do fenômeno contrário. Como se explica isso de antipatizar logo de cara com alguém.
Segundo José Manuel Sánchez Sanz, diretor do Centro de Estudos de Coaching de Madri (Espanha), essa “flechada” negativa funciona como “um mecanismo de sobrevivência que nos põe em alerta diante de circunstâncias que nosso cérebro tem catalogadas como perigosas ou ameaçadoras”. Embora existam situações ou objetos universais que geram repúdio, cada um de nós tem seu próprio catálogo pessoal de aversões mais ou menos conscientes: “O rechaço será nossa resposta corporal para situações desagradáveis ou inquietantes”. Com a sensação ruim a respeito de alguém, “procuraremos evitar um dano físico ou psicológico posterior”.
No nível fisiológico, aludindo à teoria daquele que é considerado o pai do estudo da inteligência emocional, Daniel Goleman, a reação natural de alerta surgirá na amígdala cerebelosa, “uma região do cérebro responsável, em grande medida, pelos julgamentos rápidos que emitimos a respeito das pessoas”, explica Sandra Burgos, da 30k Coaching. “Qualquer emoção que nos leve a comportamentos viscerais está sendo administrada diretamente por essa glândula, por isso a resposta automática não é racional, e sim espontânea e instintiva”.
Quem essa pessoa me lembra?
“Há pessoas que sentem antipatia pelos chefes e há
quem tenha aversão a pessoas loiras ou altas, jovens ou que sempre sorriem. A lista é infinita”, afirma Sánchez Sanz. Mas por que será que alguém sobre quem não temos nenhuma informação pode nos parecer uma ameaça? “Em muitos casos, trata-se de sinais que a outra pessoa emite e evoca em nós lembranças de experiências ou de pessoas desagradáveis com as quais tivemos contato em outro momento de nossas vidas”, explica o pesquisador. Assim, um traço facial, um cheiro, um timbre de voz ou até mesmo um tique ao falar bastaria para fazer essa glândula reagir e disparar o alerta. O percurso de vida de cada um determinaria, então, quais estereótipos lemos em uma ou outra direção.
Um dos detonantes mais claros da evocação é o cheiro. O olfato, segundo Teresa Baró, especialista em comunicação não verbal, é um dos sentidos mais desenvolvidos, mas menos levados em conta na hora de analisar sua influência em nosso comportamento: “É uma via de comunicação pela qual geramos sensações agradáveis ou desagradáveis”.
Aquilo que rejeitamos nos delata
Outro condicionante subjetivo é que as características visíveis dessa pessoa que nos cai mal sejam aquelas que rejeitamos de nós mesmos: “Boa parte do que evitamos energicamente no outro tem a ver com aspectos de nós mesmos dos quais não gostamos, embora não queiramos reconhecer”, revela Sánchez Sanz. Se isso ocorre mesmo sem que tenhamos certeza de que essas características odiadas estão presentes na outra pessoa, a explicação pode estar em um estudo da Wake Forest University, nos EUA. Segundo esse estudo, o ser humano tende a projetar nos outros alguns dos traços de sua personalidade.
Assim, da próxima vez que antipatizar com alguém à primeira vista, reflita sobre que parte de você seria bom mudar. “As pessoas com autocontrole não deixam que a amígdala cerebelosa as domine, nem diante de alguém cujos sinais corporais, verbais ou estéticos provoquem nelas uma rejeição automática.”
O que nos transmitem sem falar 
Além dos julgamentos iniciais ligados à experiência subjetiva, para alguns especialistas existem características pessoais (algumas modificáveis e outras não) que podem inclinar a balança para o rechaço ou a atração por alguém desconhecido. Autores como Paul Ekman, psicólogo pioneiro no estudo das emoções e de sua manifestação no rosto, consideram determinante a linguagem corporal: “Mesmo quando não dizemos nada verbalmente, continuamos comunicando e podemos emitir sinais não verbais que gerem rejeição em outros”, recorda Sandra Burgos. Os pesquisadores consideram que há algumas posturas que podem causar má impressão em outras pessoas. Por exemplo, “aquelas indicadoras de uma atitude distante ou pouco afável, como cruzar os braços ou as pernas em direção contrária ao lugar onde nos encontramos”, assinala a diretora da 30k Coaching. A presença de microexpressões faciais de ira ou desprezo atua como um repulsivo natural, ao contrário do que ocorre com uma expressão amável ou de amizade.
Outro elemento que se deve levar em conta é se a pessoa combina ou não com o ambiente. Para Álvaro e Víctor Gorda, diretores do centro universitário Imagen Pública, no México, “uma imagem que destoe da que se espera de nós em uma determinada situação poderia causar rejeição por violar a norma implícita do evento ou situação”.
MSN -  Adaptação

sábado, 1 de abril de 2017

A síntese de Bauman


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar.
O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que se está fazendo.
Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto, desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum. Analisamos o outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angústia. Filosoficamente a angústia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”. Zygmunt Bauman

Portal Raízes

sábado, 18 de março de 2017

Uma vida invejada


“A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.”
Um dos mais influentes psicanalistas da Inglaterra, autor de dez livros e editor da nova tradução da obra de Sigmund Freud (1856-1939), Adam Phillips, mais parece um profeta do que própriamente um homem da ciência. Pelo menos essa é a ideia que se tem depois de ler a entrevista que ele concedeu à revista Veja em 12 de março de 2003, “Páginas amarelas”, mas que quatorze anos depois me parece atualizadíssima. Seguem as questões levantadas por ele, das quais se extraíram as dez denúncias abaixo numeradas.

1. Hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. É como se o mundo pudesse existir sem essas coisas.

2. A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.


3. Hoje todo mundo fala de sexo, mas ninguém diz nada interessante. É uma conversa estereotipada atrás da outra. Vemos exageros até com crianças que aprendem danças sensuais e são expostas ao assunto muito cedo. Estamos cada vez mais infelizes e desesperados com o estilo de vida que levamos.


4. Nos consultórios, qualquer tristeza é chamada de depressão.


5. As crianças entram na corrida pelo sucesso muito cedo e ficam sem tempo para sonhar.


6. No século 14, se as pessoas fossem perguntadas sobre o que queriam da vida, diriam que buscavam a salvação divina. Hoje a resposta é: “ser rico e famoso”. Existe uma espécie de culto que faz com que as pessoas não consigam enxergar o que realmente querem da vida.


7. Os pais criam limites que a cultura não sanciona. Por exemplo: alguns pais tentam controlar a dieta dos filhos, dizendo que é mais saudável comer verduras do que salgadinhos, enquanto as propagandas dão a mensagem diametralmente oposta. O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento sexual dos adolescentes. Muitos pais procuram argumentar que é necessário ter um comportamento responsável enquanto a mídia diz que não há limites.


8. Precisamos instruir as crianças a interpretar a cultura em que vivemos, ensiná-las a ser críticas, mostrar que as propagandas não são ordens e devem ser analisadas.


9. Uma coisa precisa ficar clara de uma vez por todas: embora reclamem, as crianças dependem do controle dos adultos. Quando não têm esse controle, sentem-se completamente poderosas, mas ao mesmo tempo perdidas. Hoje há muitos pais com medo dos próprios filhos.


10. Ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer. Os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço, acessível. Deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”. Todos precisam de um espaço para falar e refletir.

Pensador Anônimo (Adaptação)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A alegria batizada

Assim não dá. Não brinco mais. Mas que alegria é essa? Está todo mundo bêbado. Alegria fabricada com álcool e drogas, não vale. Cheira-me a trapaça. O jogo do carnaval deveria ser limpo. A alegria deveria ser autêntica e genuína, mas não é. O carnaval é uma espécie de antidepressivo coletivo, regular e programado.
Chega a ser patético ver toda essa gente bêbada fingindo estar alegre. Quem precisa de carnaval para experimentar uma alegria falsa, poderia consultar um psiquiatra. Seria mais apropriado.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Os reféns da folia

A maioria decidiu, tá decidido. A isto chamam democracia, a ditadura da maioria. Tudo o que é feito por milhões de pessoas tem valor e credibilidade. Tudo o que é feito por meia dúzia de indivíduos se destoar do padrão-maioria, é suspeito.
E aqui estou eu mais uma vez, refém do comportamento geral. Eu não tenho culpa se as pessoas não têm vida interior. Eu não sou o culpado da maioria só conseguir bem-estar transitório em coisas exteriores. Eu não tenho que pagar o preço porque a maioria gosta de barulho e adora ensurdecer. Eu não sou o responsável pelo fato da maioria só aguentar a vida com uma cerveja na mão e um sexo na outra. Eu não tenho nada a ver com isso. E no entanto, me obrigam a participar desta insanidade institucionalizada e oficial.
Ninguém nem ousa dizer que não tem time de futebol e não gosta de carnaval. "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça....."Ou seja quem não comunga da loucura coletiva é o maluco eleito pela maioria. Quem não se parece com a maioria é doido, no mínimo. Quem a maioria pensa que é? Esqueci. A maioria não pensa. 
O desejável é diluir-se na massa e perder a nossa identidade. O ideal para o Sistema é virar número de estatística. Afinal, o que é que eu e você significamos? Num planeta que banaliza e vulgariza a vida humana através da explosão demográfica, nós não representamos nada. Há sete bilhões de seres muito parecidos conosco. Procriar assim, diminue a qualidade.
Nunca esteve na moda, (e sempre tudo é uma questão de imitação, publicidade e modismo) defender as minorias heterodoxas. Não gosta de carnaval, foda-se. Vai ter que aturar essa batucada sem sentido, essa euforia com hora marcada, essa alegria manufaturada, essa aglomeração tribal e  primitiva, esse remelexo compulsivo, essa comemoração sem motivo. 
A única coisa boa que a maioria me proporciona são estes dias ma ra vi lho sos de ócio criativo. Sou favorável à interrupção do trabalho. Preferia interrompê-lo por ideologia e não porque o pessoal tem que pular. Pular não chega a ser uma ideologia. Ou será que já é?
Gostaria de sair de casa. Mas está tudo bloqueado. As ruas estão fechadas. Está tudo muito confuso. E  se ousar sair de casa, ainda aparece alguém que me obrigue a ser quem eu não sou, com spray, confetes, ovos podres e outras indecências.  
Poderia ter ido para Petrópolis, poderia ter ido para Nova York, poderia ter ido para Marte, mas eu adoro a minha casa. Será que eu não tenho mais o direito de ficar em casa?
Desejo a todos um feliz carnaval alternativo. 
P.S.- A palavra folia tem a sua origem etimológica ligada à palavra francesa "folie" que significa loucura. Deixem a sanidade passar.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Publicidade e intimidade

Fala-se muito  na "Tirania da intimidade", na " Intimidade como espetáculo" numa clara alusão às redes sociais. Na minha opinião e na de muitos, não se trata de intimidade. Intimidade é uma das sensações mais raras do psiquismo humano.
Nunca houve muita intimidade se considerarmos que a intimidade só acontece quando dois ou mais seres humanos se desarmam, quando os humanos jogam fora toda a parafernália civilizatória criada  para se defenderem do mundo e dos outros. Quando as pessoas aceitam mostrar-se emocionalmente como de fato são, aí e só nesse caso, pode haver intimidade.
O que vemos na pós-modernidade feicebuquiana é pura publicidade.
A intimidade perfeitamente editada jamais poderá ser confundida com o que é íntimo. No latim "intimu" refere-se ao que está dentro. A intimidade à qual todos se referem equivocadamente, está fora. Quando o que está "dentro" aflora amiúde e até compulsivamente, como uma exposição flagrante a milhares de pessoas, parece-me óbvio que isso nunca poderá ser classificado como intimidade.
Há uma onda avassaladora de publicidade e marketing pessoal devidamente ajustada ao momento em que vivemos onde pessoas passaram a ser consumidas como produtos na sociedade de mercado.

sábado, 7 de janeiro de 2017

A falta de sentido

Se posso interpretar Facundo Cabral, passeando livremente pelas suas palavras, é mais ou menos assim:
- A vida nos é imposta. (Nada do que nos é imposto pode ser tão bom assim.  Releve-se a propaganda insidiosa do Sistema para quem a vida é um dom, uma dádiva e bela por si só.)
- Apesar do treinamento a que também somos submetidos pela educação dos pais e correlatos, não sabemos muito o que fazer com esse presente de grego chamado "vida".
- Estamos presos à vida por laços fortes e instintivos, de forma que a morte é uma saída muito radical e difícil de seguir.
- Em suma, o ejaculador e o seu recipiente,  propuseram-nos com irresponsabilidade e tirania uma armadilha muito sofisticada.
Em termos gerais, a vida não faz nenhum sentido. Que cada um procure no seu íntimo, com urgência e coragem, um sentido para a própria vida. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O novo autoconhecimento

Estamos quase sempre muito distraídos em busca de alguma coisa exterior e nada nos estimula a fazer percursos mais internos. No mundo ocidental, há um excesso de janelas abertas para vasculhar o alheio.
O olhar sobre o outro poderia ser útil e louvável, mas quase sempre é superficial, irresponsável  e fugidio. Não adianta muito olhar para fora. O que vemos, é na maioria das vezes, desagradável; isso para para quem tem olhos de ver. Aprender com o  adverso é uma senda budista que pode trazer muita felicidade.
No novo autoconhecimento, deveríamos juntar às práticas meditativas já apregoadas, as descobertas das neurociências e da medicina. Saber às quantas anda  a nossa serotonina e demais neuro-transmissores é fundamental para um autoconhecimento mais preciso e pragmático. A taxas hormonais não devem ser esquecidas, principalmente a testosterona que molda de forma decisiva o temperamento humano. O colesterol, a glicose e todas as outras informações hemogramáticas, também não devem ser negligenciadas.
As elocubrações da psicanálise deram lugar a informações mais precisas que determinam o nosso humor e o nosso comportamento. Não devemos nunca esquecer que somos uma programação química e cultural e que já é possível escapar a ambas, se quisermos.