.

.

.

.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

A solidão não tem solução

-Um cachorrinho resolveria a sua solidão?
- Não
- Um gatinho seria a solução para a sua solidão?
- Não
- Uma família elimina a sua solidão?
- Não
- Um namoro acaba com a sua solidão?
- Também não
- Um trabalho atenua a sua solidão?
- Absolutamente, não
- Viajar para Paris acaba com a sua solidão?
- Non
A solidão é intrínseca e inexorável. A solidão não tem solução, a solidão é a solução.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

A insanidade segundo Nietzsche

Confirmação e denúncia

Existe uma nuvem de insanidade que cobre todo o planeta. Por vezes, é uma cobertura mista de insanidade e perplexidade. Há alguma coisa muita errada com a espécie humana e ninguém diz nada.
Se você confirmar a insanidade reinante, você é um cara legal e todo mundo diz que você é muito bem educado e todo mundo te adora. O preço da popularidade é módico: confirmar a frivolidade, a mediocridade e a loucura geral.
As pessoas se agarram às próprias máscaras, porque sem elas, não sobra quase nada. Em geral, as pessoas são as próprias máscaras. Desmascará-las é ofendê-las mortalmente; é confrontá-las com o nada e com o vazio. Por isso, é muito fácil fazer inimigos.
Se você repete como um credo as histórias puídas e mentirosas contadas ao longo de gerações, você é bacana. Se você confirma ainda que não concorde, por pura covardia, você até tem a impressão de ser amado pelo grupo. Acontece que o grupo não ama ninguém. Você está iludido e enganado.
Agora, se você denuncia a macacada geral, o teatro a céu aberto, o hospício consentido, a estupidez globalizada, o descalabro metafísico da condição humana, o demônio que mora nos seres humanos, as injustiças banalizadas e o circo institucional, você é do mal. São muito poucos os que te apoiam. Quase ninguém tem coragem de te seguir embora saibam no fundo dos seus íntimos  insondáveis e confusos que você vê, enxerga e se limita ao que realmente tem importância. Todo o resto é para enfrentar o tédio e passar o tempo.

sábado, 15 de julho de 2017

O fundamentalismo egoico

Eu sou do tempo dos egoístas onde até se consentia um certo egocentrismo como característica de personalidade.
Hoje, os egos extrapolaram todas as dimensões e se tornaram obsessão, histeria e fanatismo. Só se fala em amor próprio, autoestima e autoajuda. A egolatria chegou ao seu paroxismo.
Hoje, as pessoas estão doentes de si mesmas. Os descalabros que vemos à nossa volta são a consequência inequívoca de íntimos enfermos. Redefiniu-se o conceito de grupo e o que impera é uma geografia bizarra onde abundam ilhotas tolas. O arquipélago se masturba e não dialoga mais. Não há mais continentes. Contentamo-nos com algumas penínsulas heroicas e o resto é mar.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Amor de cão

PET LOVE
O amor humano que sempre foi um sentimento raríssimo, parece que está em franca extinção. O homem não é apenas capaz de extinguir as espécies animais e vegetais que povoam este belíssimo planeta, ele também é muito competente para destruir o que é bom e sublime. 
Nunca a indústria dos pets arrecadou tantos lucros. Fecham-se livrarias e abrem-se academias de musculação e pet shops. A descrença no ser humano, ainda que não afirmada - vivemos uma época do tácito em que nada se pode dizer, mas quem for minimamente perspicaz pode compreender o que se passa - é gritante e extremamente preocupante.
Nunca vi tanta gente passeando cachorro e nunca vi tanta gente falando português com cachorro. Acho que vou lançar um curso de português para cachorros e vou enriquecer.
Eu adoro cachorros. Amo toda a natureza não humana, com todos os seus animais ditos irracionais e com toda a sua vegetação desprezada , mas não concebo esta substituição estratégica de seres humanos por cachorros.
O inquestionável afeto dos cachorros está muito longe do que ambicionamos como humanos. "Não tem tu, vai tu mesmo".
A carência afetiva que nos caracteriza teve que manobrar para nos livrar da sensação insuportável de solidão e desamparo. E ainda bem que existem os cachorros para nos salvar um pouco do abandono e da desilusão.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Nada de muito novo sob o sol

O facebook não criou um novo comportamento, apenas forneceu as ferramentas ideais para que um comportamento humano milenar se tornasse mais visível e patológico.
O narcisismo e  o exibicionismo não datam de hoje. A fogueira de vaidades sempre ardeu no ventre dos séculos. A  competição compulsiva e irracional sempre nos caracterizou. A busca incoercível pela aprovação do bando, ainda não nos abandonou. 
Na luta entre a sanidade e a loucura, nunca prevaleceu a sanidade.
Então, assistimos ao muito velho orquestrado pelas novas tecnologias. Desgraçadamente, na essência, o ser humano é o mesmo desde Abraão e Isaque.

domingo, 11 de junho de 2017

Trabalhar até morrer

Michiyo Nishigaki encheu-se de orgulho quando seu único filho, Naoya, conseguiu um emprego em uma grande empresa de telecomunicações japonesa, assim que concluiu a universidade.

Naoya adorava computadores, e o novo emprego parecia ser uma ótima oportunidade profissional no competitivo ambiente corporativo japonês.
Dois anos depois, porém, a mãe começou a notar problemas."Ele me dizia que estava ocupado, mas que estava bem", relembra Michiyo."
Até que ele veio para casa para comparecer ao velório do avô e não conseguia sair da cama. Ele me dizia: 'Me deixe dormir um pouco. Não consigo levantar. Desculpe, mãe, mas me deixe dormir", acrescenta.
Mais tarde, ela soube por intermédio de colegas que o filho estava trabalhando dia e noite.
"Em geral, ele trabalhava até o horário do último trem, mas se perdesse esse acabava dormindo no escritório", conta a mãe. "Em casos extremos, trabalhava a noite toda até 22h do dia seguinte, totalizando 37 horas de trabalho."
Naoya morreu aos 27 anos, de overdose de medicamentos. Seu caso foi oficialmente considerado um de "karoshi" - termo japonês para descrever a morte por excesso de trabalho. 
O Japão tem tradicionalmente uma das jornadas laborais mais longas do mundo, e o fenômeno não é novo - o "karoshi" começou a ser identificado nos anos 1960. Mas casos recentes têm colocado o tema na pauta de debates no país. 
Jornada 
No Natal de 2015, Matsuri Takahashi, funcionária da agência de publicidade Dentsu, cometeu suicídio aos 24 anos. 
Logo veio à tona a informação de que ela estava em estado de privação de sono e havia acumulado mais de 100 horas extras nos meses que antecederam sua morte. 
Não é algo incomum, sobretudo entre jovens recém-iniciados no mercado de trabalho, explica Makoto Iwahashi, funcionário da Posse, organização que dá ajuda psicológica telefônica para essas pessoas. 
Ele diz que a maioria dos telefonemas que recebe consiste em reclamações quanto a longas jornadas de trabalho. 
"É triste, porque esses jovens profissionais acham que não têm alternativa", diz Iwahashi à BBC. 
"Ou você pede demissão ou trabalha 100 horas. E se você pede demissão, você não consegue viver", acrescenta. 
Para Iwahashi, a redução da estabilidade profissional aumenta a insegurança dos trabalhadores. 
"Havia karoshi nos anos 1960 e 70, (mas) a diferença é que, ainda que eles tivessem que trabalhar por muitas horas (naquela época), eles tinham emprego garantido para a vida. Não é mais o caso." 
Cultura da hora extra 
Dados oficiais apontam que há centenas de casos anuais de "karoshi" no país, incluindo enfartos, derrames e suicídios decorrentes da estafa profissional extrema. Mas ativistas acreditam que o número real seja muito mais alto. 
Quase um quarto das empresas japonesas tem empregados que excedem 80 horas extras semanais por mês - muitas vezes sem ganhos extras - diz um estudo recente. 
E, em 12% das empresas, os funcionários fazem mais de 100 horas extras por mês. 
São números significativos: é a partir de 80 horas extras no mês que se nota um aumento da possibilidade de morte do funcionário. 
O governo japonês está sob crescente pressão para conter o problema, mas se vê diante de uma tradição corporativa antiga - quem vai embora do escritório antes que seus colegas ou seu chefe passa a ser mal visto. 
No início deste ano, o governo lançou as "sextas premium", estimulando as empresas a permitir que seus funcionários saiam mais cedo - às 15h - na última sexta-feira do mês. Também incentivam os funcionários a tirar mais dias de folga. 
Os trabalhadores japoneses têm direito a 20 dias de férias por ano, mas atualmente 35% deles não usam nenhum dia sequer. 
Luzes apagadas 
Nos escritórios do governo distrital de Toshima, no centro de Tóquio, recorreu-se à ideia de apagar as luzes às 19h, para forçar os funcionários a irem embora na hora certa. 
"Queríamos fazer algo de visibilidade", diz o gerente do escritório, Hitoshi Ueno. "Não se trata de apenas reduzir a jornada. Queremos que as pessoas sejam mais eficientes e produtivas, para que todos possam resguardar e aproveitar seu tempo livre. Queremos mudar o ambiente profissional em geral." 
O foco na eficiência pode fazer sentido: enquanto o país tem uma das jornadas laborais mais longas do mundo, é o menos produtivo entre os países do G7, grupo das nações mais ricas. 
Mas críticos dizem que tais medidas são muito fragmentadas e incapazes de lidar com o problema central: que jovens profissionais estão morrendo por estarem trabalhando muito duro e por muitas horas. 
Para alguns, a solução passa em estipular um limite legal às horas extras. 
No início deste ano, o governo propôs restringir as horas extras a 60 horas mensais, permitindo que "em períodos de maior demanda" esse limite subisse a 100 - já na zona de perigo de "karoshi". 
Muitos acusam o governo de priorizar interesses econômicos ao bem-estar dos trabalhadores. 
"O povo japonês conta com o governo, mas está sendo traído", diz Koji Morioka, acadêmico que estuda o fenômeno do "karochi" há 30 anos. 
Enquanto o debate avança, mais jovens têm morrido, e grupos de apoio a famílias enlutadas ganham cada vez mais membros. 
Michiyo Nishigaki, mãe de Naoya, diz que seu país está "matando" sua mão de obra, em vez de valorizá-la. 
"As empresas focam apenas nos lucros de curto prazo", opina.
"Meu filho e outros jovens não odeiam trabalhar. São capazes e querem se sair bem. Deem a eles a oportunidade de trabalhar sem uma longa jornada ou problemas de saúde, e eles se tornarão um privilégio para o país", conclui.
BBC-Brasil

sábado, 27 de maio de 2017

A ciência do palavrão


Os xingamentos mostram a evolução da linguagem, das sociedades e, de quebra, ajudam a desvendar o cérebro

Por que diabos “merda” é palavrão? Aliás, por que a palavra “diabos”, indizível décadas atrás, deixou de ser um? Outra: você já deve ter tropeçado numa pedra e, para revidar, xingou-a de algo como “filha-da -puta”, mesmo sabendo que a dita nem mãe tem.
Pois é: há mais mistérios no universo dos palavrões do que o senso comum imagina. Mas a ciência ajuda a desvendá-los. Pesquisas recentes mostram que as palavras sujas nascem em um mundo à parte dentro do cérebro. Enquanto a linguagem comum e o pensamento consciente ficam a cargo da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões “moram” nos porões da cabeça. Mais exatamente no sistema límbico. É o fundo do cérebro, a parte que controla nossas emoções. Trata-se de uma zona primitiva: se o nosso neocórtex é mais avantajado que o dos outros mamíferos, o sistema límbico é bem parecido. Nossa parte animal fica lá.
E sai de vez em quando, na forma de palavrões. A medicina ajuda a entender isso. Veja o caso da síndrome de Tourette. Essa doença acomete pessoas que sofreram danos no gânglio basal, a parte do cérebro cuja função é manter o sistema límbico comportado. Elas passam a ter tiques nervosos o tempo todo. E, às vezes, mais do que isso. De 10 a 20% dos pacientes ficam com uma característica inusitada: não param de falar palavrão. Isso mostra que, sem o gânglio basal para tomar conta, o sistema límbico se solta todo. E os palavrões saem como se fossem tiques nervosos na forma de palavras.
Mas você não precisa ter lesão nenhuma para se descontrolar de vez em quando, claro. Como dissemos, basta tropeçar numa pedra para que ela corra o sério risco de ouvir um desaforo. Se dependesse do pensamento consciente, ninguém nunca ofenderia uma coisa inanimada. Mas o sistema límbico é burro. Burro e sincero. Justamente por não pensar, quando essa parte animal do cérebro “fala”, ela consegue traduzir certas emoções com uma intensidade inigualável. Os palavrões, por esse ponto de vista, são poesia no sentido mais profundo da palavra. Duvida?
Então pense em uma palavra forte. “Paixão”, por exemplo. Ela tem substância, sim, mas está longe de transmitir toda a carga emocional da paixão propriamente dita. Mas com um grande e gordo “puta que o pariu” a história é outra. Ele vai direto ao ponto, transmite a emoção do sistema límbico de quem fala direto para o de quem ouve. Por isso mesmo, alguns pesquisadores consideram o palavrão até mais sofisticado que a linguagem comum.
É o que pensa o psicólogo cognitivo Steven Pinker, da Universidade Harvard. Em seu livro mais recente, Stuff of Thought (“Coisas do Pensamento”, inédito em português), ele escreveu: “Mais do que qualquer outra forma de linguagem, xingar recruta nossas faculdades de expressão ao máximo: o poder de combinação da sintaxe; a força evocativa da metáfora e a carga emocional das nossas atitudes, tanto as pensadas quanto impensadas”. Traduzindo: palavrões são f*.
Tão f* que nem os usamos só para xingar. Eles expressam qualquer emoção indizível, seja ruim, seja boa. Então, se um jogador de futebol grita palavrões depois de marcar um gol, ele não o faz por ser mal-educado, mas porque só uma palavra saída direto do sistema límbico consegue transmitir o que ele está sentindo. Outra prova de eficácia é que eles estreitam nossos laços sociais. Se você xingar alguém gratuitamente e o sujeito não ficar bravo, significa que ele é seu amigo. Daí que grupos de homens adoram usar cumprimentos como “Fala, cuzão!” Isso deixa claro que todos ali são íntimos. “Perceber o xingamento como agressão ou ferramenta social depende do contexto”, disse o psicólogo Timothy Jay, da Faculdade de Artes Liberais de Massachusetts, para a revista americana New Scientist. “Num vestiário masculino, por exemplo, quem não xinga é o ‘panaca’”.
Timothy Jay sabe do que está falando. É um expert em palavrões. Ele passou as últimas 3 décadas anotando as sujeiras que ouvia em lugares públicos. Juntou mais de 10 mil ocorrências. E colocou em números cientificamente rigorosos (na medida do possível) aquilo que você já sabia: “foda” e “merda” (ou “fuck” e “shit”) correspondem à metade de todos os palavrões ditos – sem contar suas variantes.
Não é à toa. Como os palavrões nascem na parte primitiva do cérebro, quase todos versam sobre as duas coisas mais básicas da existência:
Sexo e excrementos
Veja só. “Merda” é um palavrão mais ofensivo que “mijo”, por sua vez mais pesado que “cuspe”, que nem palavrão é. Se você fosse excretar alguma dessas coisas na rua, essa também seria a ordem de impacto nas outras pessoas – do mais para o menos chocante. Coincidência? “Não. Não é por acaso que as substâncias que mais dão nojo também sejam vetores de doenças. A reação de repulsa à palavra é o desejo de não tocar ou comer a coisa”, afirma o médico americano Val Curtis no livro Is Hygiene in Our Genes? (“A Higiene Está nos Nossos Genes?”, sem tradução para português).
Se é fácil entender por que excrescências são palavrões, não dá para dizer o mesmo sobre os termos ligados ao sexo. Afinal, sexo é bom, não? Não necessariamente. “Ele traz altos riscos, incluindo doenças, exploração, pedofilia e estupro. Esses males deixaram marcas nos nossos costumes e emoções”, diz Pinker. Foquemos em “estupro”. Pegar mulheres à força permitia que um macho fizesse dezenas, centenas de filhos, coisa que contou pontos no jogo da evolução. Já para as mulheres isso é o inferno. Então selecionar o pai é fundamental, e engravidar de alguém que a violentou, um baita prejuízo.
Daí foi natural que a expressão “foder alguém” virasse sinônimo de “fazer um grande mal”. Para entender isso melhor, complete a frase “João ___ Maria” para mostrar que eles transaram, usando apenas uma palavra. Quase todas as opções para preencher a lacuna são palavrões. Já os termos leves para relação sexual sempre carregam a preposição “com”: você pode dizer que João fez amor com Maria, dormiu com, fez sexo com, transou com… Todos os exemplos indicam que João e Maria participaram do sexo de igual para igual. Com os palavrões, a história é outra. Eles deixam claro: Maria está sempre numa posição inferior.
Note que a origem de “fodido” e seus equivalente não envolve o sexo apenas como uma ferramenta de submissão de homens contra mulheres. Mas de homens contra homens também. O estupro homossexual sempre foi, e segue sendo, uma forma eficaz de deixar claro num bando de machos quem é o chefe – a violência sexual dentro dos presídios está aí para provar. A coisa é tão arraigada que até uma palavra inocente hoje, como “coitado” ou “tadinho”, sua variante mais fofa, significa “aquele que sofreu o coito”.
Mas espera aí: como algo tão barra-pesada vira uma palavra até bonitinha? É o que vamos ver.
A vida e a morte de um palavrão
“Que se dane!”, “diabos” ou “vá para o inferno” já foi algo mais impactante. Claro: até décadas atrás não havia prognóstico pior que não ir para o céu quando morresse. Então, quando a idéia era insultar para valer, nada melhor que mandar alguém para o inferno. “A perda de eficácia das palavras tabus relacionadas à religião é uma óbvia conseqüência da secularização da cultura ocidental”, afirma Pinker.
Outra: quando “câncer” era sinônimo de morte, também não podia ser dita livremente. Nos obituários, a pessoa não morria de câncer, mas de “uma longa enfermidade”. Com os avanços no tratamento, a coisa mudou de figura, e câncer, apesar de ainda dar calafrios, virou uma palavra bem mais corriqueira. As doenças em geral, na verdade, passaram por um processo parecido. Em Romeu e Julieta, de Shakespeare, por exemplo, há uma passagem dizendo: “Que a peste invada as casas de ambos!” Uma baita ofensa no século 16, quando a peste bubônica ainda era uma ameaça na Europa. Mas agora, no mundo limpo e cheio de antibióticos que a gente conhece, o xingamento shakespeariano parece inócuo.
E também há o inverso: palavras normais que viram tabu. Em algum momento da história do português um sujeito chamou pênis de “pau”. E uma palavra originalmente “pura” enveredava para o mau caminho. Nada mais comum: hoje ninguém se lembra mais de “caralho” como sendo a cestinha que ficava no alto do mastro dos navios, ou “boceta” como uma caixa pequena e redonda. “A palavra vira tabu quando ganha um sentido simbólico”, afirma o etimólogo Deoníoso da Silva, da Universidade Estácio de Sá.
Mais uma mostra de como os palavrões flutuam com o espírito do tempo são as expressões que são tabu num lugar e não têm nada de mais em outro. Se você for a Portugal, vai ver que eles preferem cu e rabo para referirem-se às nádegas, e que coram quando alguém fala “broche” (o termo sujo para sexo oral).
Mas quem decide o que é palavrão e o que não é? “Isso depende dos mecanismos de conservação da língua, que são o ensino, os meios de comunicação e os dicionários. As palavras relacionadas a sexo que não são palavrões são quase todas da literatura científica, como pênis e ânus”, explica a lingüista Wânia de Aragão, da Universidade de Brasília. Não que isso impeça termos científicos de hoje, como “pedófilo”, de virar palavra suja um dia. A palavra “esquizofrênico”, por exemplo, nasceu na ciência, mas agora, com o aumento dos dignósticos de doenças mentais, caiu na boca do povo. E está virando xingamento.
Mas saber quais serão os palavrões do futuro é tão impossível quanto prever o futuro da tecnologia, da humanidade ou do Corinthians. O escritor e comediante inglês Douglas Adams, resumiu isso bem no clássico O Guia do Mochileiro das Galáxias. O livro diz que o palavrão mais sujo entre os habitantes dos outros planetas da Via Láctea é uma expressão bem conhecida dos terráqueos: “bélgica”.
Superinteressante

sábado, 20 de maio de 2017

A festa do fim do mundo

Agora que o mundo parece que acabou, comemore à sua maneira. Se você acha que o mundo não acabou, seguramente você não está neste mundo. Acorde desse mundo fictício que te inventaram. Seja mais um assassino de papai noel. Apunhale as fadas que reinam nas suas sinapses. Desperte para o  fim do que é péssimo e prepare-se  para o porvir. Vomito nas interpretações que você pode dar às minhas palavras. E aproveito o ensejo para ejacular no seu otimismo. Não nutro o entusiasmo de quem não tem coragem.
Agora que o mundo acabou alegre-se pelo recomeço. O podre não tem remédio. E quem se regozija na podridão é um  morto-vivo. Quem lambe os velhos erros é o arauto da catástrofe.
Viva o fim  do mundo! Quanto tempo esperei por este momento orgástico. Festejo o fim desta agonia em dez vezes sem juros e absorvo o impacto do fim de tudo. Aceito a morte que me redime de tantos e tantos idiotas que presidem o hospício. A certeza do fim é muito melhor que todas as ilusões dos que começam.
Ergo o meu copo de vinho barato e trinco a delícia deste chocolate amargo. Viva o fim do mundo!

sábado, 6 de maio de 2017

Ódio à primeira vista

Existem certas pessoas cujos atos, ideologia ou aspecto nos causam uma imediata rejeição, embora não as conheçamos. Nesses casos, sua simples imagem pode gerar um sentimento de repulsa que de algum modo, somos capazes de entender. Mas há ocasiões em que alguém nos cai mal e não podemos encontrar as razões. Não se trata de alguém repulsivo: certamente cairá muito bem para muitas outras pessoas − mas não para nós. Nestes casos em que o sentimento próprio não corresponde à tônica geral, pensamos: o que faz com que as pessoas nos caiam bem ou mal à primeira vista? Fala-se muito das paixões e do amor à primeira vista, mas menos do fenômeno contrário. Como se explica isso de antipatizar logo de cara com alguém.
Segundo José Manuel Sánchez Sanz, diretor do Centro de Estudos de Coaching de Madri (Espanha), essa “flechada” negativa funciona como “um mecanismo de sobrevivência que nos põe em alerta diante de circunstâncias que nosso cérebro tem catalogadas como perigosas ou ameaçadoras”. Embora existam situações ou objetos universais que geram repúdio, cada um de nós tem seu próprio catálogo pessoal de aversões mais ou menos conscientes: “O rechaço será nossa resposta corporal para situações desagradáveis ou inquietantes”. Com a sensação ruim a respeito de alguém, “procuraremos evitar um dano físico ou psicológico posterior”.
No nível fisiológico, aludindo à teoria daquele que é considerado o pai do estudo da inteligência emocional, Daniel Goleman, a reação natural de alerta surgirá na amígdala cerebelosa, “uma região do cérebro responsável, em grande medida, pelos julgamentos rápidos que emitimos a respeito das pessoas”, explica Sandra Burgos, da 30k Coaching. “Qualquer emoção que nos leve a comportamentos viscerais está sendo administrada diretamente por essa glândula, por isso a resposta automática não é racional, e sim espontânea e instintiva”.
Quem essa pessoa me lembra?
“Há pessoas que sentem antipatia pelos chefes e há
quem tenha aversão a pessoas loiras ou altas, jovens ou que sempre sorriem. A lista é infinita”, afirma Sánchez Sanz. Mas por que será que alguém sobre quem não temos nenhuma informação pode nos parecer uma ameaça? “Em muitos casos, trata-se de sinais que a outra pessoa emite e evoca em nós lembranças de experiências ou de pessoas desagradáveis com as quais tivemos contato em outro momento de nossas vidas”, explica o pesquisador. Assim, um traço facial, um cheiro, um timbre de voz ou até mesmo um tique ao falar bastaria para fazer essa glândula reagir e disparar o alerta. O percurso de vida de cada um determinaria, então, quais estereótipos lemos em uma ou outra direção.
Um dos detonantes mais claros da evocação é o cheiro. O olfato, segundo Teresa Baró, especialista em comunicação não verbal, é um dos sentidos mais desenvolvidos, mas menos levados em conta na hora de analisar sua influência em nosso comportamento: “É uma via de comunicação pela qual geramos sensações agradáveis ou desagradáveis”.
Aquilo que rejeitamos nos delata
Outro condicionante subjetivo é que as características visíveis dessa pessoa que nos cai mal sejam aquelas que rejeitamos de nós mesmos: “Boa parte do que evitamos energicamente no outro tem a ver com aspectos de nós mesmos dos quais não gostamos, embora não queiramos reconhecer”, revela Sánchez Sanz. Se isso ocorre mesmo sem que tenhamos certeza de que essas características odiadas estão presentes na outra pessoa, a explicação pode estar em um estudo da Wake Forest University, nos EUA. Segundo esse estudo, o ser humano tende a projetar nos outros alguns dos traços de sua personalidade.
Assim, da próxima vez que antipatizar com alguém à primeira vista, reflita sobre que parte de você seria bom mudar. “As pessoas com autocontrole não deixam que a amígdala cerebelosa as domine, nem diante de alguém cujos sinais corporais, verbais ou estéticos provoquem nelas uma rejeição automática.”
O que nos transmitem sem falar 
Além dos julgamentos iniciais ligados à experiência subjetiva, para alguns especialistas existem características pessoais (algumas modificáveis e outras não) que podem inclinar a balança para o rechaço ou a atração por alguém desconhecido. Autores como Paul Ekman, psicólogo pioneiro no estudo das emoções e de sua manifestação no rosto, consideram determinante a linguagem corporal: “Mesmo quando não dizemos nada verbalmente, continuamos comunicando e podemos emitir sinais não verbais que gerem rejeição em outros”, recorda Sandra Burgos. Os pesquisadores consideram que há algumas posturas que podem causar má impressão em outras pessoas. Por exemplo, “aquelas indicadoras de uma atitude distante ou pouco afável, como cruzar os braços ou as pernas em direção contrária ao lugar onde nos encontramos”, assinala a diretora da 30k Coaching. A presença de microexpressões faciais de ira ou desprezo atua como um repulsivo natural, ao contrário do que ocorre com uma expressão amável ou de amizade.
Outro elemento que se deve levar em conta é se a pessoa combina ou não com o ambiente. Para Álvaro e Víctor Gorda, diretores do centro universitário Imagen Pública, no México, “uma imagem que destoe da que se espera de nós em uma determinada situação poderia causar rejeição por violar a norma implícita do evento ou situação”.
MSN -  Adaptação