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sábado, 20 de agosto de 2016

Frívolos e mimados


Recentemente Theodore Dalrymple publicou o livro "Podres de mimados" com prefácio do Luiz Felipe Pondé. Mais uma vez se aborda esta sensação insuportável que sempre existiu e que agora atinge o seu paroxismo.
Vive-se um desespero que Nietzsche chama de ressentimento. Todos acham que merecem muito mais. Todos, sem exceções, são fantásticos e maravilhosos e tudo melindra todos. Não se pode dizer mais nada sob pena de ser processado ou punido de alguma forma. Tudo pode ser pretexto para que o mimado arme o maior berreiro. Que saco!
Adultos de birra, fazem-me perder o tino. Qualquer crítica ou opinião dissonante é chamada de fobia. A sua simples opinião pode ser guindada à categoria de crime gravíssimo.
Gostaria de ser indiferente, mas a indiferença não faz parte do meu estilo. Detesto esta época cheia de nove horas e não me toques. Que gente babaca!
Nos anos 70, 80 e 90, chamava este comportamento de frescura. Hoje, esta prática cultural está disseminada, predomina e é institucionalizada pelo politicamente correto.  
Considerando a brevidade e o absurdo do ato de viver, é no mínimo ridículo, insultuoso e estúpido ter que conviver com gente tão fresca. Tudo o que não é chupeta é ofensivo. 
Não há nada mais difícil de suportar que crianças estragadas e podres por tanta pretensão e arrogância.
Para você que é mimadinho assim, deixo aqui o meu cordial "vá se foder."

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O hino e o ânus do rei

QUANDO SUA MAJESTADE LOUIS XIV ADOECEU
Parece que uma vez, ao sentar-se no seu coche, Luis XIV ter-se-ia picado na ponta de uma pena da almofada do assento, a picada infectou e causou um pequeno abcesso no ânus que devia ter sido logo aberto e drenado.
Os médicos do rei, receosos de intervir nas bases da monarquia, optaram por um tratamento mais leve à base de unguentos. Este tratamento não deu qualquer resultado e ao fim de quatro meses o rei continuava com o abcesso e com dores insuportáveis.
Em meados de Maio os cirurgiões diagnosticaram uma fístula o que os deixou transtornadíssimos e finalmente o 1.º cirurgião, Félix de Tassy, decidiu-se por uma intervenção para abrir o abcesso. Para isso desenhou um instrumento especial, uma verdadeira peça de ourivesaria com lâmina de prata.
Mas foram precisos mais 5 meses para fabricar esse instrumento precioso.
A operação só foi feita no dia 17 de Novembro, sem anestesia, e foram necessárias mais duas intervenções porque foi muito difícil fechar a ferida para que pudesse cicatrizar.
Só no Natal de 1686 os cirurgiões declararam o rei como curado o que pôs fim aos rumores que no estrangeiro já corriam de que Luis XIV agonizava.
Como ação de graças foram rezadas muitas missas em todo o reino e as Senhoras da Maison Royale de Saint-Louis, em Saint Cyr (colégio interno feminino criado por Mme de Maintenon) decidiram compor um cântico para celebrar a cura do rei.
A superiora, Mme de Brino (sobrinha de Mme de Maintenon), escreveu os seguintes versos:
Grand Dieu sauve le roi !
Longs jours à notre roi !
Vive le roi. A lui victoire,
Bonheur et gloire !
Qu'il ait un règne heureux
Et l'appui des cieux!

Os versos foram entregues a Jean-Baptiste Lully para que este compusesse a música e as meninas de Saint Cyr passaram a cantar este pequeno cântico sempre que o rei vinha visitar o colégio.
Anos mais tarde, em 1714, o compositor Georg Friedrich Haendel, de passagem por Versalhes, ouviu este cântico e achou-o tão belo que tomou nota da letra e da música. Mais tarde, já em Londres, Haendel pediu a um clérigo chamado Carrey para lhe traduzir os versos de Mme de Brinon.
O padre traduziu-lhe de imediato a letra e escreveu estas palavras que iriam dar a volta ao Mundo:
God save our gracious King,
Long life our noble King,
God save the King!
Send him victorious
Happy and glorious
Long to reign over us,
God save the King !

Haendel agradeceu-lhe e dirigiu-se de imediato à Corte onde ofereceu ao rei - como se fosse de sua autoria - o cântico das Meninas de Saint Cyr.
George I, encantado, felicitou o compositor e determinou que daí em diante o "God save the King" devia ser sempre executado nas cerimónias oficiais.
E foi assim que este hino, que nos parece profundamente britânico, nasceu da colaboração:
- de uma francesa (Mme de Brinon),
- de um italiano naturalizado francês (Jean-Baptiste Lully - ou Lulli) ,
- de um inglês (Carrey),
- de um alemão naturalizado inglês (Georg Friedrich Händel - ou Haendel).
- do ânus de Sua Majestade Luis XIV.
De fato, um verdadeiro hino europeu!
Duas questões:
Se Louis XIV por acaso não tivesse enfiado uma pena no real traseiro, qual seria hoje o hino britânico?
Acham possível que a partir de hoje possam ouvir o "God save the Queen" sem pensar naquela pena?

sábado, 13 de agosto de 2016

Testosterona - A grande musa inspiradora

Se você é um romântico fundamentalista, se acredita fanáticamente que o amor romântico é a grande solução existencial, por favor, não leia este texto. Estas palavras não são adequadas à sua crença. Leia outra coisa.
O amor romântico está intrínsecamente ligado à testosterona. Só quem já teve variações na produção desse hormônio, poderá eventualmente me entender. E eu não procuro exatamente ser compreendido; isso é coisa raríssima no planeta.
Se misturarmos a testosterona à psicose estressante imposta à humanidade inteira do ocidente pelos alucinados dos séculos XVIII e XIX, inventores do amor romântico, teremos o resultado desta equação. Os românticos do século XIX conseguiram a proeza de transformar melancolia e doença em arte.
Poucos delírios coletivos sobreviveram tão intactos à passagem inclemente do tempo.
Definitivamente, amor, testosterona e desvario não combinam. Para mim, o amor é um sentimento supra-hormonal porque aprecio a seriedade e não gosto de brincadeiras de mau gosto.
Sou grato às décadas que enfrentei com a coragem de ser lúcido e fico satisfeito por não ter que morrer com mais esta ilusão; já bastam todas as outras que limitam os horizontes da minha louca caminhada. As neurociências libertarão muito mais ainda o ser humano de grande parte dos mitos que o povoam. Não há amor romântico sem testosterona.
Todos os poetas são grandes produtores de testosterona. Todos os compositores de música "pé na bunda" estão intoxicados de testosterona. O romantismo endêmico, nos impede de ver claro.
Homens amam mulheres e vice-versa ou homens e mulheres apenas obedecem à ditadura orgânica de miasmas viscerais devidamente temperados por pitadas fatais de práticas culturais espúrias? 
P.S. - Em tempo, as mulheres também produzem testosterona, até 64 nanogramas por decilitro de sangue. 

sábado, 6 de agosto de 2016

O declínio do erotismo

Representação de Cupido em "Resistência ao Amor", de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905)
Começo por uma informação primordial. A testosterona produzida atualmente é 50% da que era produzida nos anos cinquenta. Para mim, isto é crucial e revelador. Na minha modesta e leiguíssima opinião, isso se deve, entre outras coisas, ao excessivo  consumo de sódio. O excesso de sódio reduz drásticamente os níveis de testosterona no organismo humano.
Eu sou de uma geração que eu poderia chamar de pré-sódica. Hoje, não há mais alimentos; há produtos alimentícios e a quantidade de sódio é assombrosa. Se você quer emagrecer e ter saúde, vá para a cozinha e faça a sua comida. No pós-modernismo líquido e neo-liberal, ninguém sabe mais o que consome.
Mas vamos ao assunto. Segundo pesquisa publicada esta semana na revista científica Archives of Sexual Behavior, a porcentagem de jovens de 20 a 24 anos que afirma não ter parceiros sexuais desde os 18 anos é de 20%. Em 1960, a porcentagem era de 6%.Não vou me alongar nas nuances da pesquisa.
Com a proliferação desenfreada da pornografia, principalmente made in USA, não são apenas as pessoas que não conversam mais; os corpos também não dialogam mais como antes. Não gosto nem um pouco desta época terminal, mas é nela que consigo alguma felicidade, apesar de tudo e apesar de todos.
Não resisto à grosseria de afirmar que este é o planeta-punheta. É difícil lutar contra a tentação de rimar e ser poeta...
A testosterona falta e a banalização sobra. Com pouca  testosterona e achando que Pokemon Go é mais interessante que sexo, caminhamos para a apatia e para o orgasmo desacompanhado. O erotismo é coisa do passado. Hoje fala-se com os ausentes e goza-se com as imagens de estranhos e desconhecidos. Que época esquisita!

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Vozes seletivas da solidão


Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
Clarice Lispector
A pior solidão que existe é darmo-nos conta de que as pessoas são idiotas.
Gonzalo Torrente Ballester
Quem encontra prazer na solidão ou é fera selvagem ou é Deus.
Aristóteles
Educação para a vida deveria incluir aulas de solidão.
Mauro Santayama
A solidão é impossível, e a sociedade, fatal.
Ralph Waldo Emerson
Eu acredito no prazer da carne e na solidão irremediável da alma.
Hjalmar Soderberg
A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Fernando Pessoa
Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas...
Mário Quintana
O amor começa quando uma pessoa se sente só e termina quando uma pessoa deseja estar só.
Leon Tolstoi
Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
Fernando Pessoa
Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos.
Orson Welles
A necessidade faz-nos habituar a estranhos companheiros de leito.
William Shakespeare
Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Clarice Lispector
Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.
Fernando Pessoa
O que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nela, a si mesmos.
Arthur Schopenhauer
Somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade:solidão, ansiedade, depressão, destruição, dependência; pessoas que ficam felizes quando matam o tempo que foi tão difícil conquistar.
Erich Fromm
Na solidão é quando estamos menos só...
Lord Byron
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só.
Clarice Lispector
Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho
Vivo tranquilo, a liberdade é quem me faz carinho.
Marisa Monte
Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.
Charles Bukowski
Ele supunha que era à solidão que tentava escapar, e não a si mesmo.
William Faulkner
Ninguém ignora que a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma.
Jean Cocteau 

Solidão não se cura com o amor dos outros. Se cura com amor próprio.
Martha Medeiros
Não se pode fazer nada sem a solidão!
Pablo Picasso
O pavor da solidão é maior que o medo da escravidão: assim, nos casamos.
Cyril Connolly
Porque que sempre a solidão vem junto com o Luar?
Raul Seixas
A solidão desprende uma certa quantidade de desvario sublime.
Victor Hugo
A maior solidão é aquela que se dá não pela ausência de pessoas, mas pela indiferença da presença delas.
David Saleeby
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.
Chico Buarque
Solidão prolongada me ensinou a ser exigente. Quando me tornei minha melhor companhia, só me apaixonei por pessoas absolutamente incríveis.
Marla de Queiroz
Solidão?
sim, com gelo e limão.
Ingratidão?
não, obrigado.
Torquato Neto
Foi aí que a solidão deixou de ser involuntária para se transformar em escolha. E foi bom, está sendo bom.
Caio Fernando Abreu
A solidão é uma ótima oportunidade para se encontrar. Faça bom uso dela.
Bruce Lee
Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela, pela primeira vez na sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados.
Do livro Comer Rezar e Amar - Kelly Gimenes
O egoísta odeia a solidão.
Blaise Pascal
Tinha tanto medo de solidão
que nem espantava as moscas.
Mia Couto 

A sociedade enriquece a mente, mas a solidão é a escola do gênio."
E. Gibbon
Solidao é estar sozinho entre varias pessoas e sentir falta de apenas uma... voce...
Caderno de frases e Poesias Scarlat 

Na solidão, o solitário devora a si mesmo; Na multidão devoram-no inúmeros. Então escolhe.
Nietzsche
Solidão Não É Ausência De Afeto,Mas Ausência De Rumo.
Mike Murdock
A cidade não é a solidão porque a cidade aniquila tudo o que povoa a solidão. A cidade é o vazio.
Pierre La Rochelle
Se você sente tédio quando está sozinho é porque está em péssima companhia

Jean-Paul Sartre
Encontra a paz, quem se alimenta da solidão ao invés de ser consumido por ela.
Cleber Martins
A solidão só é fobia para aqueles que a não sabem povoar.
Luís Eusébio
Triste é viver só de solidão...
Los Hermanos
A solidão ouve os sábios e abriga os loucos.
Francis Cirino
A arte é o desespero da solidão.
Fábio Saitta
A solidão de um poeta é o encanto do leitor.
R.Kennedy
Não tenha medo da solidão, ela é a sua única certeza.
Ruthely O.
A solidão tem uma beleza incompreendida.
Esther Martins
Ninguém pode conservar sua solidão se não sabe fazer-se odioso. (E.M.Cioran, Silogismos da Amargura, Rocco,1991,pg.47

Cioran
Preciso da solidão
pra ser eu mesma.
Sh
A solidão só dói, quando alguém a rouba e depois te devolve.
Célio Montagna
O Poeta é o arquiteto da sua própria solidão.
António Botêlho Focinheira
A solidão é uma maravilha quando é uma escolha, mas um tormento quando é imposta.
Pâmela Bubols
A solidão verdadeira é o refugio da alma para evitar a loucura...
Alan Pierry
O temor da solidão alimenta a angústia de ser quem eu não sou...
Renato Araújo
A solidão só é maldita pelos que não a conhecem.
Pumpkin
O que é solidão se não um meio de se estar acompanhado dos seus próprios pensamentos.
Jessica M. 

A alma de um poeta respira solidão.
D' Souza
Não gosto da solidão,ela que gosta de mim..
GabrielyStefanny
A pior solidão é aquela que não se cura com amor próprio.
Danilo Felix
Os que tendem a lidar mal com a solidão costumam lidar mal consigo mesmos.
Hellius Czar Monzon

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Os novos bárbaros

Nos achamos tão livres. Como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.
Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é. (…)
ELIANE BRUM

sábado, 30 de julho de 2016

Miméticos e proféticos

Os miméticos engrossam as estatísticas da maioria. Deve haver um grande prazer e conforto em imitar. Imitar para usufruir da recompensa enganosa de ser igual. Raros são os proféticos. São poucos os que se contentam com a mudança de cascas e indumentárias.
As massas se comprazem em arremedar e repetir. As massas fazem muito barulho e o barulho da multidão pode iludir os menos sensíveis.
Está tudo na mesma. No essencial, nada mudou. Para seres de superfície, qualquer movimento é sinônimo de mudança. Para quem  se diverte no fundo do poço, não há nada de novo sob o sol. 
Apesar de tudo o que fizemos, ainda somos como os moradores dessa Roma que não nos abandona. Somos Romanos tecnológicos e conectados. 
A verdadeira revolução redentora nunca aconteceu. O que pode mudar o mundo está no coração dos homens. Revolução digna desse nome, é de dentro para fora. Fora de nós acontece muita coisa; dentro de nós, está tudo praticamento intacto.
Os sentimentos têm a idade do homo sapiens. A inveja, o ódio, o egoísmo, a soberba, o orgulho, a vaidade, a ganância, a injustiça e a estupidez remontam à destruição do jardim do Éden.

terça-feira, 19 de julho de 2016

A cultura do silêncio

A hipocrisia emocional
Há muitos séculos que vigora a lei do silêncio. Existem assuntos-tabu como a morte, a fragilidade do humano, o non-sens do existir, a inveja e a felicidade, para citar apenas alguns. A espécie fugitiva sempre opta pelo que é frívolo. Prevalece a fobia fundamental a tudo que é essencial. Que bom que existe a metereologia e o futebol para evitar o silêncio e o mutismo das massas.
Atualmente, dentre os assuntos-tabu que sempre caracterisaram a falida civilização ocidental, está a felicidade. Supõe-se e é pura suposição, que está tudo bem e que o bem-estar impera. Hoje, problemas são sintomas de moléstia grave. Qualquer dificuldade emocional é trancada a sete chaves e proscrita.
Ao deduzirmos que todos são felizes, criamos uma profunda angústia em quem não é tão feliz assim. Nem todo mundo é capaz de atingir esse elevadíssimo padrão emocional. Eu não me surpreendo mais porque sei que a senha da convivência grupal é a mentira ou a omissão. E também sei que não há pior grosseria que a verdade.
Essa inócua felicidade facebuquiana provoca mais estragos do que se consegue imaginar. A felicidade teria que mudar de nome se fosse assim tão fácil.
Sugiro que parem com essa propaganda enganosa de felicidade absolutamente falsa. A felicidade gratuita dessa maioria mitômana, espalha muita infelicidade em quem vive por comparação e acredita nas balelas dos narcisos obscenos expostos indecentemente nessa pornografia contemporânea do sentimento.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Solitude

Enquanto enchia minha farta taça de vinho pela segunda vez, já com os dentes e lábios roxos, dei-me conta de que a mesa a que me sentava estava vazia, exceto por mim. Na cozinha também havia ninguém, assim como em todo o apartamento. Sequer música se podia ouvir. Eu estava só e engolida pelo silêncio.
Por um segundo, incomodou-me um pouco que a ideia de que alguém, vendo aquilo, pudesse concluir ser um momento de solidão abandonada. O ato de beber sozinho carrega a história de escritores decadentes e amores de insucesso, conferindo ao álcool um comportamento ambíguo: consumido em grupo, serve para brindar a vida; já em isolamento, serve para afogar as mágoas.
Entre um gole e outro de vinho, a verdade me caiu como um estalo: entre mim e aquele líquido, havia nada além de glória. Não existia ânsia por companhia, tampouco sofrimento por sua ausência. Pareceu-me injusto que não houvesse na Língua uma palavra que expressasse a glória de estar só, mas felizmente o sociólogo Paul Tillich teve a cortesia de me apresentá-la. Solitude. As quatro sílabas dançavam em minha língua já meio dormente. “O idioma criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho.” A Língua quase nunca desaponta.
Jobim inventou que é impossível ser feliz sozinho. Terceirizando a responsabilidade pela plenitude do espírito, criou-se o estigma do hedonismo acompanhado, de que a felicidade só é boa quando dividida. As redes sociais estão aí para perpetuar o sentimento: haja sorrisos, brindes, porres e bossa. Haja viagens, selfies em grupo, bares lotados e músicas entoadas em coro. Ficar sozinho parece coisa de gente humilhada e infeliz, mas talvez não suportar a própria companhia por um instante seja o autêntico sinal de infelicidade. Pessoas que têm hábitos como ir a cinema, beber, dançar e fazer compras sem companhia causam grande furor às demais, ainda que ninguém tenha a curiosidade de indagar se aquilo é ato intencional. Só que a balbúrdia costuma causar ilusão de felicidade e a verdadeira fuga pode residir aí.
É bem provável que uma vida inteira de solitude se transforme em solidão, mas é curioso como viver apenas em grupo cansa e chega uma hora em que tudo o que se quer fazer é correr dali para a calmaria do mar, que só é alcançada quando se nada para dentro. Solitude é uma opção, um deleite, uma vontade. Talvez sua graça seja saber que é facultativa e que, quando a alma pedir por compartilhamento, haverá pessoas queridas que ficarão felizes em oferecê-lo.
Necessário, portanto, ser forte e seguro para curtir a solitude, sendo a recompensa tanto simbólica quanto aproveitável. Basta perceber que grandes decisões e guinadas na vida costumam ser precedidas por momentos de recolhimento. Bastar-se não se restringe à negação das pessoas e do mundo, e, sim, saber que existir não depende necessariamente de alguém além de si.
Lara Brenner - Revista Bula

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Solidão e comunhão

Do gregário ao solitário
Na dosagem da solidão e da comunhão, quase todos preferem a comunhão. A ideia de comungar é sedutora e linda, embora esconda muitos dissabores.
Começamos comungando, mas comungar não basta e não é tudo na procura da felicidade.
A maturidade supõe saber viver dentro das fronteiras de si próprio. Quem passa por si mesmo, descobre que comungar não é obrigatório; pode ser opcional. E isso é muito bom.