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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

De súbito

De súbito, todos ficaram susceptíveis. Estão todos tensos, demasiado sensíveis e com os nervos à flor da pele. Qualquer palavra mal colocada pode ser motivo de ódio e de processos. De súbito, todos se elegeram salvadores da humanidade. Todos sabem tudo e mais alguma coisa. São poucos os que escapam aos prazeres sórdidos da arrogância. 
Quase tudo é preconceito. São poucas as coisas que não são catalogadas como machismo. De súbito, surgiram centenas de novos transtornos elencados pela Sociedade Americana de Psiquiatria e paradoxalmente a felicidade se impõe e se esparrama nas redes sociais como o grande padrão irrefutável das sensações humanas. Os antidepressivos fabricam na surdina o formidável júbilo químico.
De súbito, exterminaram as boas maneiras e os bons dias são arrancados a ferros. Perdeu-se o gosto pelo som das palavras, pelas entonações e pela metalinguagem. Os corpos se expõem rabiscados e imperam espantosas bitolas de beleza física; os narcisos substituíram os terráqueos. 
De súbito, fala-se muito em diversidade e o que se vê é uma argumentação homogênea. A comunicação primitiva por imagens frívolas pretende sobrepôr-se à beleza e à grandeza da literatura. Ninguém mais lê nada, muito menos esta postagem.
De súbito, instaurou-se sub-reptícia e subliminarmente um fascismo alegre, bem disposto, regado a álcool e  com ares de extrema liberdade. Vivemos um fascismo  revisitado, atualizado e remasterizado pelas novas tecnologias. Nunca estivemos tão iludidos. Nunca foi tão apropriada a expressão: "as aparências enganam", para definir esta triste época.
De súbito, tornei-me impopular e detestado por ter a coragem que há muito deixou este mundo covarde que estrebucha nos paroxismos da mais suprema hipocrisia.
De súbito.