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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

De súbito

De súbito, todos ficaram susceptíveis. Estão todos tensos, demasiado sensíveis e com os nervos à flor da pele. Qualquer palavra mal colocada pode ser motivo de ódio e de processos. De súbito, todos se elegeram salvadores da humanidade. Todos sabem tudo e mais alguma coisa. São poucos os que escapam aos prazeres sórdidos da arrogância. 
Quase tudo é preconceito. São poucas as coisas que não são catalogadas como machismo. De súbito, surgiram centenas de novos transtornos elencados pela Sociedade Americana de Psiquiatria e paradoxalmente a felicidade se impõe e se esparrama nas redes sociais como o grande padrão irrefutável das sensações humanas. Os antidepressivos fabricam na surdina o formidável júbilo químico.
De súbito, exterminaram as boas maneiras e os bons dias são arrancados a ferros. Perdeu-se o gosto pelo som das palavras, pelas entonações e pela metalinguagem. Os corpos se expõem rabiscados e imperam espantosas bitolas de beleza física; os narcisos substituíram os terráqueos. 
De súbito, fala-se muito em diversidade e o que se vê é uma argumentação homogênea. A comunicação primitiva por imagens frívolas pretende sobrepôr-se à beleza e à grandeza da literatura. Ninguém mais lê nada, muito menos esta postagem.
De súbito, instaurou-se sub-reptícia e subliminarmente um fascismo alegre, bem disposto, regado a álcool e  com ares de extrema liberdade. Vivemos um fascismo  revisitado, atualizado e remasterizado pelas novas tecnologias. Nunca estivemos tão iludidos. Nunca foi tão apropriada a expressão: "as aparências enganam", para definir esta triste época.
De súbito, tornei-me impopular e detestado por ter a coragem que há muito deixou este mundo covarde que estrebucha nos paroxismos da mais suprema hipocrisia.
De súbito.

sábado, 28 de outubro de 2017

Mais felizes sozinhos






Você é do tipo de pessoa que troca sem pensar duas vezes uma noitada com os amigos por uma noite em casa vendo filmes? Já pensou, mais de uma vez, em sair da cidade grande e ter uma vida mais tranquila no campo? Gosta de receber pessoas em casa, mas fica realmente feliz depois que as visitas vão embora? Talvez você pense que é antissocial, mas na verdade, você só é alguém inteligente.
É o que mostra uma pesquisa feita por psicólogos da London School of Economics que descobriu que pessoas mais inteligentes preferem interagir em círculos sociais menores.
Para a realização do estudo, os cientistas entrevistaram mais de 15 mil pessoas entre 18 e 28 anos de diferentes localidades e descobriram que pessoas que apresentavam QI mais elevado se sentem melhor interagindo em pequenos grupos e ficam mais confortáveis quando estão sozinhas.
Os cientistas também perguntaram se essas pessoas se sentiam felizes. E descobriram que aquelas que que viviam em áreas mais densamente povoadas, disseram se sentir menos felizes. No entanto, o contato com os amigos e pessoas próximas poderia influenciar de forma positiva na vida dessas pessoas, fazendo com que se se sentissem mais felizes.
Teoria da Savana
Apesar de sermos seres sociáveis, os cientistas acreditam que uma explicação possível para que as pessoas se sintam mais confortáveis em pequenos grupos é a Teoria da Savana, segundo a qual reagimos às situações como nossos antepassados e que nossos comportamentos psicológicos estariam associados ao período em que a sociedade vivia na savana.
Naquela época, de acordo com os pesquisadores, os grupos sociais eram compostos por no máximo 150 pessoas. Apesar da evolução, nosso cérebro não teria se adaptado ao estilo de vida moderno. Isso explicaria o motivo de nos sentirmos mais confortáveis em um círculo social reduzido.
Originalmente em Minha Vida (Correção e adaptação)

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Fichados no Facebook

Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 1964. Na época, dizia-se: "Esse está fichado no DOPS."Hoje, por termos perdido o hábito de ver, quase ninguém percebe que estamos todos fichados. O modismo das redes sociais promove um fichamento voluntário sem precedentes na história da humanidade. Estamos auto-fichados no Facebook, no Instagram, no Google+, no Twitter, etc.
A vigilância que esses mecanismos promovem é avassaladora. A ingerência de todas essas plataformas eletrônicas na vida das pessoas chega a me causar indignação. E o pior que não sabemos quem nos controla. Os controladores não dão as caras e não se consegue falar com eles diretamente.
Esta crítica é também uma autocrítica, visto que eu participo das redes sociais e sirvo-me delas para me exprimir sempre com medo de ser censurado, bloqueado e até mesmo proibido.
Abdicamos do precioso direito ao anonimato para sermos conhecidos? Conhecidos para quê? Queremos ser famosos por alguns segundos. Para que serve exatamente essa celebridade meteórica? O anseio por fama e reconhecimento não passa de mera exposição gratuita e sem sentido. Não seria melhor preservarmos a nossa boa e sagrada privacidade?
Junte-se a este estado de coisas, o fichamento em prédios públicos e a miríade de câmeras que nos vigiam todos os dias. Pedem-nos para sorrir  para disfarçar o que realmente está sendo feito: espionar, controlar, supervisionar e fiscalizar. É impossível sorrir nestas circunstâncias. Também dizem que as câmeras existem para a nossa segurança. Por acaso, os bandidos deixaram de agir intimidados pelas câmeras?
Não satisfeitos em nos ficharmos alegremente nas redes sociais, ainda estamos sujeitos a todas as formas de denuncismo barato, característica de todos os regimes de exceção, vide nazismo, fascismo, stalinismo, etc. O controle sistemático do Estado e do Grupo sobre o indivíduo, é sempre muito mais eficaz quando existe o mundo inteiro disposto a nos delatar. 
Redes sociais, câmeras por todos os lados, apreensão, medo e denúncias de todos os tipos que na maioria dos casos não passam de calúnia e difamação, este é o estado do mundo em outubro de 2017.
P.S. - Em 1947/1948, George Orwell já pressentia tudo isto, Aldous Huxley, anos mais tarde confirmou a suspeita que agora é pura realidade.

sábado, 9 de setembro de 2017

A destituição do outro

Não me interpretem mal. Não pretendo aqui, fazer a apologia do narcisismo e muito menos, inflar ainda mais os egos. Não é isso.
Não podemos continuar assim, atribuindo aos outros essa importância descomunal. O outro tem que ser desempossado, exonerado, desautorizado e só quem já sofreu muito nas mãos dos outros, tem a coragem suficiente para destituí-los. 
Reflita e constate o quão estúpido é o poder que atribuímos aos outros. Praticamente, vivemos para os outros ou na expectativa do que vem dos outros. O nosso comportamento é determinado pelos outros - massa ignara que nos acossa e importuna. Temos que ser capazes de prescindir dos outros, sem nunca deixar de conviver com eles.
Desative os outros e eu não estou lhe dando um conselho. Desligue-se um pouco e fale-me dos resultados. Você vai se sentir só, mas a solidão tem o cheiro do seu destino e é o melhor resumo da sua ópera.
A maior, a mais verdadeira e a principal relação, é com você; não com os outros. Experimente brincar com os seus brinquedos e esqueça um pouco esses meninos e meninas envelhecidos pela precocidade e pela arrogância.
P.S. - Ressalvo os amigos que são raríssimos e têm função precípua.

sábado, 2 de setembro de 2017

Tempos de secreta angústia


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar. O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que se está fazendo. Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto, desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato nenhum. Analisamos o outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angústia. Filosoficamente a angústia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”. Zygmunt Bauman
Originalmente em Revista Pazes

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A estranha geração dos adultos mimados


O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram.
Tudo começou com uma colega minha de estágio, há mais de 10 anos, que pediu demissão por acreditar que “não foi criada para ficar carregando papel”. Sim, carregar papel fazia parte das nossas tarefas, enquanto ajudávamos o juiz e os demais servidores públicos com os processos do Tribunal. Acompanhávamos audiências, ajudávamos com os despachos e, sim, carregávamos papéis entre o segundo e o quarto andar do edifício.
Os pais da menina convenceram-na de que ela era boa demais para aquilo. Não importava que nós fôssemos meninas de 19 anos, no segundo ano da faculdade, sem qualquer experiência, buscando aprender alguma coisa e ganhar uns poucos reais para comer hamburguer nos finais de semana. Ela, que tinha a certeza de ser uma joia rara, foi embora, deixando sua vaga vazia no meio do semestre e sobrecarregando todos os demais, inclusive eu, sem nem se constranger com isso.
O tempo passou e, quando eu já era advogada, tive um estagiário de vinte e poucos anos que, três meses depois de ser contratado, solicitou dois meses de férias. Eu nem sequer entendi o pedido. Perguntei se ele estava doente ou se havia algum outro problema grave. Ele me respondeu que não, que simplesmente tinha decidido ir para a Califórnia passar dezembro e janeiro, pois a irmã estava morando lá e ele tinha casa de graça. Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Deixei ele ir e pedi que não voltasse mais.
Alguns anos depois, ouvi um grande amigo me dizer que iria divorciar-se. Ele havia casado fazia menos de um ano, com direito a uma imensa festa, custeada pelos pais dos noivos. Mais uma vez perguntei se algo de grave tinha ocorrido. Ele me respondeu que “não estava dando certo”, discorrendo sobre problemas como “brigamos por causa da louça na pia”, “não tenho mais tempo para sair com meus amigos” e “acho que ainda tenho muito para curtir”. Me segurei para não dar um safanão na cabeça dele. Aos 34 anos ele falava como um garoto mimado de 16. Tentava explicar isso para ele, mas era como conversar com a parede.
Agora foi a vez de uma amiga minha, com seus quase 30 anos, que me disse que iria pedir demissão pois fora muito desrespeitada no trabalho. Como sou advogada trabalhista, logo me assustei, imaginando uma situação de assédio moral ou sexual. Foi quando ela explicou: meu chefe fez um comentário extremamente grosseiro no meu facebook. Suspirei e perguntei o que era, exatamente. Ela disse que postou uma foto na praia, num fim de tarde de quarta-feira, depois do expediente, e o chefe comentou “Espero que não esqueça que tem um prazo para me entregar amanhã cedo”. E isso foi suficiente para ela se sentir mal a ponto de querer pedir demissão de um bom emprego.
Eu não sei bem o que acontece com a minha geração. O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram. O chefe, o colega, o marido, a mulher, os amigos, ninguém pode nos tratar de igual para igual e muito menos numa hierarquia descendente. Se não for tratado a pão de ló, este jovem adulto surta, se julga injustiçado e vai embora.
Acho que o mundo evoluiu e as situações nas quais se tratava alguém com desrespeito são cada vez menos toleráveis, o que é ótimo. Também é ótimo o fato de sermos uma geração que busca felicidade e não apenas estabilidade financeira. É bom termos a coragem de mudar de carreira, de recomeçar, de priorizar as viagens e não a casa própria.
Mas nada disso justifica que a minha geração tenha comportamentos tão egoístas, agindo como verdadeiras crianças mimadas. E o grande perigo é que essas crianças mimadas têm belos diplomas e começam a ocupar cargos importantes nas empresas e no setor público. Vamos nos tornar um perigoso jardim de infância, no qual quem manda não pode ser contrariado e quem obedece também não. Isso não será uma tarefa fácil.
Originalmente Site Observador

sábado, 19 de agosto de 2017

A grande guerra das vítimas

Depois que inventaram o neologismo verbal "vitimizar", parece que acabaram as vítimas. Ninguém é mais vítima. É feio ser vítima. É uma verdadeira desonra reconhecer-se vítima. É quase uma ofensa chamar alguém de vítima. Temos a falsa impressão de quem se diz vítima está fingindo, trapaceando ou exagerando. E não é nada disso.
Eu continuo a achar que há mais vítimas do que outra coisa neste planeta e eu sou uma delas. Somos vítimas da mentalidade vigente, do capitalismo selvagem, do comunismo delirante, dos códigos profundamente injustos, das injunções religiosas, dos preconceitos desenfreados, da hipocrisia geral, da insanidade dos governantes, da síndrome patronal, dos fundamentalismos de toda a sorte, da violência humana, da falta de reconhecimento, da chantagem emocional, da ganância da espécie, do feminismo xiita, do American way of life, do politicamente correto, da arrogância coletiva, da corrupção endêmica..... Não acabaria hoje esta lista.
Enquanto não nos considerarmos vítimas, nunca poderemos combater os nossos verdadeiros algozes. Se você "está se vitimizando" logo você não é vítima e se você não é vítima, nunca combaterá os verdadeiros verdugos.
O que eu mais vejo são vítimas brigando com outras vítimas por não se saberem vítimas e por não conseguirem localizar os verdadeiros culpados. Aliás, por conta da associação que é feita da "culpa" com a religião, ninguém é mais culpado. Preferem usar eufemismos do tipo "responsável."
É uma lástima ver as pobres vítimas combaterem outras vítimas. Não conseguem eliminar as vítimas e muito menos os facínoras. Se acabássemos com esses sofismas e nos uníssemos como vítimas que somos, as coisas mudariam muito.

sábado, 5 de agosto de 2017

Intrusos no paraíso

Amargo o deleite de não ser popular. Tenho o péssimo costume de só dizer  o que é essencial, metafísico e profundo. Não conseguiria ser frívolo por mais que me esforçasse.
A cada verdade objetiva que digo, é um seguidor a menos. Fico feliz em não ser seguido por gente que não fala a minha língua.
Ia escrever um longo texto em prosa poética sobre este planeta maravilhoso que adoro e sobre os intrusos nocivos que somos todos nós, e contra os quais tenho muitas reservas, mas não foi preciso, CIORAN já disse tudo. Obrigado Cioran. 

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Ecos da savana

Não se consegue reverter facilmente um paradigma atávico. E o paradigma que tem milhões de anos é o seguinte:
- Quando você está em grupo, está bem. Quando está só, você está mal.
Até se alardeia a ideia segundo a qual a solidão é uma penitência e um castigo. As pessoas incorporaram essa percepção ao longo de milênios e ela está exarada no A.D.N. como uma mensagem indelével.
Está mais do que na hora de rever esse equívoco essencial.
Eu não estou mais nas savanas e Darwin é quase tão confiável quanto Adão no Jardim do Éden. O grupo não me protege mais como outrora, muito pelo contrário, o grupo me enfraquece e me maltrata. O grupo me subestima e me despreza  se eu não fizer exatamente o que ele determina. O grupo é despótico e deletério.
Quando eu estou só, posso estar muitíssimo bem e quando estou acompanhado posso estar preso  a uma terrível armadilha; a armadilha de que eu sou forçosamente social e gregário.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

A mutação antropológica

Franco Berardi, em entrevista a Juan Íñigo Ibánez (Outras Palavras)
Neoliberalismo, assexualidade e desejo de morte. Filósofo italiano aponta: obsessão pelo sucesso individual e troca dos contatos corpóreos pelos digitais podem realizar distopia da humanidade insensível, para a qual já alertava Pasolini.
Uma das metáforas mais potentes – e de maior ressonância até nossos dias – no imaginário de Pier Paolo Pasolini é a de “mutação antropológica”. Trata-se de uma expressão que o cineasta, escritor e poeta italiano utilizava para ilustrar os efeitos psicossociais produzidos pela transição de uma economia de origem agrária e industrial para outra, de corte capitalista e transnacional.
Durante os anos 1970, Pasolini identificou, em seus livros Escritos Corsários e Cartas Luteranas, uma verdadeira transmutação nas sensibilidades de amplos setores da sociedade italiana, em consequência do “novo fascismo” imposto pela globalização. Acreditava que esse processo estava criando – fundamentalmente por meio do influxo semiótico da publicidade e da televisão – uma nova “espécie” de jovens burgueses, que chamou de “os sem futuro”: jovens com uma acentuada “tendência à infelicidade”, com pouca ou nenhuma raiz cultural ou territorial, e que estavam assimilando, sem muita distinção de classe, os valores, a estética e o estilo de vida promovidos pelos novos “tempos do consumo”.
Quarenta anos depois, outro inquieto intelectual de Bolonha – o filósofo e teórico dos meios de comunicação Franco “Bifo” Berardi – acha que o sombrio diagnóstico de Pasolini tornou-se profético, diante da situação de “precariedade existencial” e aumento de transtornos mentais que as mudanças neoliberais provocaram.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é hoje a segunda causa de morte entre jovens e crianças – a grande maioria do sexo masculino – entre 10 e 24 anos. Do mesmo modo, a depressão – patologia emocional mais presente no comportamento suicida – será em 2020 a segunda forma de incapacidade mais recorrente no mundo.
Berardi acredita que esses dados – assim como a maioria dos atos violentos produzidos nos últimos anos, os assassinatos em massa ou os atentados suicidas radicais – estão estreitamente vinculados às condições de hipercompetição, subsalário e exclusão promovidos pelo ethos neoliberal. Sugere que ao analisar os efeitos que a economia de mercado tem em nossas vidas, devemos também incorporar um elemento novo e transcendente: o modo como os fluxos informativos acelerados a que estamos expostos por meio das “novas tecnologias” influem em nossa sensibilidade e processos cognitivos.
Esclarecimento: Berardi não é nenhum tecnófobo ou romântico dos tempos do capitalismo pré-industrial. Compreende – e utilizou a seu favor – os avanços que a tecnologia introduz em nossas vidas.
Desde o final dos anos 1960, liderou diversos projetos de comunicação alternativa, tais como a revista cultural A/traverso, a Rádio Alice (uma das primeiras emissoras livres da Europa), a TV Orfeu (a primeira televisão comunitária da Itália). Participou de programas educativos da Rádio e Televisão Italiana (RAI) ligados ao funcionamento e efeitos das novas tecnologias. Além disso, “Bifo” foi um observador atento de fenômenos contraculturais como o ciberpunk, ou as possibilidades futuras de governos tecnofascistas.
Sua carreira foi fortemente marcada pelo compromisso político. Foi membro ativo – desde a Universidade de Bolonha, onde graduou-se em Estética – da revolta de Maio de 68. No início dos anos 70, esteve vinculado ao movimento de esquerda extraparlamentar “Poder Operário”. Posteriormente – no começo dos 80, durante seu exílio na França – frequentou Michel Foucault e trabalhou junto com Félix Guattari no campo disciplinar então nascente da esquisoanálise. Berardi é autor de mais de vinte livros, entre os quais destacam-se El Alma del Trabajo: desde lá alienación a la autonomia (A alma do trabalho: da alienação à autonomia), Generación post-alfa. Patologías e imaginarios en el semiocapitalismo (Geração pós-alfa. Patologias e imaginários no semiocapitalismo), Héroes: asesinato de masa y suicidio (Heróis: assassinato de massa e suicídio) e Fenomenología del fin (Fenomenologia do fim).
Originalmente em "Insurgência"