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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Fichados no Facebook

Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 1964. Na época, dizia-se: "Esse está fichado no DOPS."Hoje, por termos perdido o hábito de ver, quase ninguém percebe que estamos todos fichados. O modismo das redes sociais promove um fichamento voluntário sem precedentes na história da humanidade. Estamos auto-fichados no Facebook, no Instagram, no Google+, no Twitter, etc.
A vigilância que esses mecanismos promovem é avassaladora. A ingerência de todas essas plataformas eletrônicas na vida das pessoas chega a me causar indignação. E o pior que não sabemos quem nos controla. Os controladores não dão as caras e não se consegue falar com eles diretamente.
Esta crítica é também uma autocrítica, visto que eu participo das redes sociais e sirvo-me delas para me exprimir sempre com medo de ser censurado, bloqueado e até mesmo proibido.
Abdicamos do precioso direito ao anonimato para sermos conhecidos? Conhecidos para quê? Queremos ser famosos por alguns segundos. Para que serve exatamente essa celebridade meteórica? O anseio por fama e reconhecimento não passa de mera exposição gratuita e sem sentido. Não seria melhor preservarmos a nossa boa e sagrada privacidade?
Junte-se a este estado de coisas, o fichamento em prédios públicos e a miríade de câmeras que nos vigiam todos os dias. Pedem-nos para sorrir  para disfarçar o que realmente está sendo feito: espionar, controlar, supervisionar e fiscalizar. É impossível sorrir nestas circunstâncias. Também dizem que as câmeras existem para a nossa segurança. Por acaso, os bandidos deixaram de agir intimidados pelas câmeras?
Não satisfeitos em nos ficharmos alegremente nas redes sociais, ainda estamos sujeitos a todas as formas de denuncismo barato, característica de todos os regimes de exceção, vide nazismo, fascismo, stalinismo, etc. O controle sistemático do Estado e do Grupo sobre o indivíduo, é sempre muito mais eficaz quando existe o mundo inteiro disposto a nos delatar. 
Redes sociais, câmeras por todos os lados, apreensão, medo e denúncias de todos os tipos que na maioria dos casos não passam de calúnia e difamação, este é o estado do mundo em outubro de 2017.
P.S. - Em 1947/1948, George Orwell já pressentia tudo isto, Aldous Huxley, anos mais tarde confirmou a suspeita que agora é pura realidade.

sábado, 9 de setembro de 2017

A destituição do outro

Não me interpretem mal. Não pretendo aqui, fazer a apologia do narcisismo e muito menos, inflar ainda mais os egos. Não é isso.
Não podemos continuar assim, atribuindo aos outros essa importância descomunal. O outro tem que ser desempossado, exonerado, desautorizado e só quem já sofreu muito nas mãos dos outros, tem a coragem suficiente para destituí-los. 
Reflita e constate o quão estúpido é o poder que atribuímos aos outros. Praticamente, vivemos para os outros ou na expectativa do que vem dos outros. O nosso comportamento é determinado pelos outros - massa ignara que nos acossa e importuna. Temos que ser capazes de prescindir dos outros, sem nunca deixar de conviver com eles.
Desative os outros e eu não estou lhe dando um conselho. Desligue-se um pouco e fale-me dos resultados. Você vai se sentir só, mas a solidão tem o cheiro do seu destino e é o melhor resumo da sua ópera.
A maior, a mais verdadeira e a principal relação, é com você; não com os outros. Experimente brincar com os seus brinquedos e esqueça um pouco esses meninos e meninas envelhecidos pela precocidade e pela arrogância.
P.S. - Ressalvo os amigos que são raríssimos e têm função precípua.

sábado, 2 de setembro de 2017

Tempos de secreta angústia


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar. O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que se está fazendo. Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto, desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato nenhum. Analisamos o outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angústia. Filosoficamente a angústia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”. Zygmunt Bauman
Originalmente em Revista Pazes

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A estranha geração dos adultos mimados


O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram.
Tudo começou com uma colega minha de estágio, há mais de 10 anos, que pediu demissão por acreditar que “não foi criada para ficar carregando papel”. Sim, carregar papel fazia parte das nossas tarefas, enquanto ajudávamos o juiz e os demais servidores públicos com os processos do Tribunal. Acompanhávamos audiências, ajudávamos com os despachos e, sim, carregávamos papéis entre o segundo e o quarto andar do edifício.
Os pais da menina convenceram-na de que ela era boa demais para aquilo. Não importava que nós fôssemos meninas de 19 anos, no segundo ano da faculdade, sem qualquer experiência, buscando aprender alguma coisa e ganhar uns poucos reais para comer hamburguer nos finais de semana. Ela, que tinha a certeza de ser uma joia rara, foi embora, deixando sua vaga vazia no meio do semestre e sobrecarregando todos os demais, inclusive eu, sem nem se constranger com isso.
O tempo passou e, quando eu já era advogada, tive um estagiário de vinte e poucos anos que, três meses depois de ser contratado, solicitou dois meses de férias. Eu nem sequer entendi o pedido. Perguntei se ele estava doente ou se havia algum outro problema grave. Ele me respondeu que não, que simplesmente tinha decidido ir para a Califórnia passar dezembro e janeiro, pois a irmã estava morando lá e ele tinha casa de graça. Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Deixei ele ir e pedi que não voltasse mais.
Alguns anos depois, ouvi um grande amigo me dizer que iria divorciar-se. Ele havia casado fazia menos de um ano, com direito a uma imensa festa, custeada pelos pais dos noivos. Mais uma vez perguntei se algo de grave tinha ocorrido. Ele me respondeu que “não estava dando certo”, discorrendo sobre problemas como “brigamos por causa da louça na pia”, “não tenho mais tempo para sair com meus amigos” e “acho que ainda tenho muito para curtir”. Me segurei para não dar um safanão na cabeça dele. Aos 34 anos ele falava como um garoto mimado de 16. Tentava explicar isso para ele, mas era como conversar com a parede.
Agora foi a vez de uma amiga minha, com seus quase 30 anos, que me disse que iria pedir demissão pois fora muito desrespeitada no trabalho. Como sou advogada trabalhista, logo me assustei, imaginando uma situação de assédio moral ou sexual. Foi quando ela explicou: meu chefe fez um comentário extremamente grosseiro no meu facebook. Suspirei e perguntei o que era, exatamente. Ela disse que postou uma foto na praia, num fim de tarde de quarta-feira, depois do expediente, e o chefe comentou “Espero que não esqueça que tem um prazo para me entregar amanhã cedo”. E isso foi suficiente para ela se sentir mal a ponto de querer pedir demissão de um bom emprego.
Eu não sei bem o que acontece com a minha geração. O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram. O chefe, o colega, o marido, a mulher, os amigos, ninguém pode nos tratar de igual para igual e muito menos numa hierarquia descendente. Se não for tratado a pão de ló, este jovem adulto surta, se julga injustiçado e vai embora.
Acho que o mundo evoluiu e as situações nas quais se tratava alguém com desrespeito são cada vez menos toleráveis, o que é ótimo. Também é ótimo o fato de sermos uma geração que busca felicidade e não apenas estabilidade financeira. É bom termos a coragem de mudar de carreira, de recomeçar, de priorizar as viagens e não a casa própria.
Mas nada disso justifica que a minha geração tenha comportamentos tão egoístas, agindo como verdadeiras crianças mimadas. E o grande perigo é que essas crianças mimadas têm belos diplomas e começam a ocupar cargos importantes nas empresas e no setor público. Vamos nos tornar um perigoso jardim de infância, no qual quem manda não pode ser contrariado e quem obedece também não. Isso não será uma tarefa fácil.
Originalmente Site Observador

sábado, 19 de agosto de 2017

A grande guerra das vítimas

Depois que inventaram o neologismo verbal "vitimizar", parece que acabaram as vítimas. Ninguém é mais vítima. É feio ser vítima. É uma verdadeira desonra reconhecer-se vítima. É quase uma ofensa chamar alguém de vítima. Temos a falsa impressão de quem se diz vítima está fingindo, trapaceando ou exagerando. E não é nada disso.
Eu continuo a achar que há mais vítimas do que outra coisa neste planeta e eu sou uma delas. Somos vítimas da mentalidade vigente, do capitalismo selvagem, do comunismo delirante, dos códigos profundamente injustos, das injunções religiosas, dos preconceitos desenfreados, da hipocrisia geral, da insanidade dos governantes, da síndrome patronal, dos fundamentalismos de toda a sorte, da violência humana, da falta de reconhecimento, da chantagem emocional, da ganância da espécie, do feminismo xiita, do American way of life, do politicamente correto, da arrogância coletiva, da corrupção endêmica..... Não acabaria hoje esta lista.
Enquanto não nos considerarmos vítimas, nunca poderemos combater os nossos verdadeiros algozes. Se você "está se vitimizando" logo você não é vítima e se você não é vítima, nunca combaterá os verdadeiros verdugos.
O que eu mais vejo são vítimas brigando com outras vítimas por não se saberem vítimas e por não conseguirem localizar os verdadeiros culpados. Aliás, por conta da associação que é feita da "culpa" com a religião, ninguém é mais culpado. Preferem usar eufemismos do tipo "responsável."
É uma lástima ver as pobres vítimas combaterem outras vítimas. Não conseguem eliminar as vítimas e muito menos os facínoras. Se acabássemos com esses sofismas e nos uníssemos como vítimas que somos, as coisas mudariam muito.