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sábado, 6 de agosto de 2016

O declínio do erotismo

Representação de Cupido em "Resistência ao Amor", de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905)
Começo por uma informação primordial. A testosterona produzida atualmente é 50% da que era produzida nos anos cinquenta. Para mim, isto é crucial e revelador. Na minha modesta e leiguíssima opinião, isso se deve, entre outras coisas, ao excessivo  consumo de sódio. O excesso de sódio reduz drásticamente os níveis de testosterona no organismo humano.
Eu sou de uma geração que eu poderia chamar de pré-sódica. Hoje, não há mais alimentos; há produtos alimentícios e a quantidade de sódio é assombrosa. Se você quer emagrecer e ter saúde, vá para a cozinha e faça a sua comida. No pós-modernismo líquido e neo-liberal, ninguém sabe mais o que consome.
Mas vamos ao assunto. Segundo pesquisa publicada esta semana na revista científica Archives of Sexual Behavior, a porcentagem de jovens de 20 a 24 anos que afirma não ter parceiros sexuais desde os 18 anos é de 20%. Em 1960, a porcentagem era de 6%.Não vou me alongar nas nuances da pesquisa.
Com a proliferação desenfreada da pornografia, principalmente made in USA, não são apenas as pessoas que não conversam mais; os corpos também não dialogam mais como antes. Não gosto nem um pouco desta época terminal, mas é nela que consigo alguma felicidade, apesar de tudo e apesar de todos.
Não resisto à grosseria de afirmar que este é o planeta-punheta. É difícil lutar contra a tentação de rimar e ser poeta...
A testosterona falta e a banalização sobra. Com pouca  testosterona e achando que Pokemon Go é mais interessante que sexo, caminhamos para a apatia e para o orgasmo desacompanhado. O erotismo é coisa do passado. Hoje fala-se com os ausentes e goza-se com as imagens de estranhos e desconhecidos. Que época esquisita!

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Vozes seletivas da solidão


Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
Clarice Lispector
A pior solidão que existe é darmo-nos conta de que as pessoas são idiotas.
Gonzalo Torrente Ballester
Quem encontra prazer na solidão ou é fera selvagem ou é Deus.
Aristóteles
Educação para a vida deveria incluir aulas de solidão.
Mauro Santayama
A solidão é impossível, e a sociedade, fatal.
Ralph Waldo Emerson
Eu acredito no prazer da carne e na solidão irremediável da alma.
Hjalmar Soderberg
A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Fernando Pessoa
Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas...
Mário Quintana
O amor começa quando uma pessoa se sente só e termina quando uma pessoa deseja estar só.
Leon Tolstoi
Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
Fernando Pessoa
Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos.
Orson Welles
A necessidade faz-nos habituar a estranhos companheiros de leito.
William Shakespeare
Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Clarice Lispector
Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.
Fernando Pessoa
O que torna as pessoas sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nela, a si mesmos.
Arthur Schopenhauer
Somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade:solidão, ansiedade, depressão, destruição, dependência; pessoas que ficam felizes quando matam o tempo que foi tão difícil conquistar.
Erich Fromm
Na solidão é quando estamos menos só...
Lord Byron
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só.
Clarice Lispector
Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho
Vivo tranquilo, a liberdade é quem me faz carinho.
Marisa Monte
Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.
Charles Bukowski
Ele supunha que era à solidão que tentava escapar, e não a si mesmo.
William Faulkner
Ninguém ignora que a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma.
Jean Cocteau 

Solidão não se cura com o amor dos outros. Se cura com amor próprio.
Martha Medeiros
Não se pode fazer nada sem a solidão!
Pablo Picasso
O pavor da solidão é maior que o medo da escravidão: assim, nos casamos.
Cyril Connolly
Porque que sempre a solidão vem junto com o Luar?
Raul Seixas
A solidão desprende uma certa quantidade de desvario sublime.
Victor Hugo
A maior solidão é aquela que se dá não pela ausência de pessoas, mas pela indiferença da presença delas.
David Saleeby
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.
Chico Buarque
Solidão prolongada me ensinou a ser exigente. Quando me tornei minha melhor companhia, só me apaixonei por pessoas absolutamente incríveis.
Marla de Queiroz
Solidão?
sim, com gelo e limão.
Ingratidão?
não, obrigado.
Torquato Neto
Foi aí que a solidão deixou de ser involuntária para se transformar em escolha. E foi bom, está sendo bom.
Caio Fernando Abreu
A solidão é uma ótima oportunidade para se encontrar. Faça bom uso dela.
Bruce Lee
Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela, pela primeira vez na sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados.
Do livro Comer Rezar e Amar - Kelly Gimenes
O egoísta odeia a solidão.
Blaise Pascal
Tinha tanto medo de solidão
que nem espantava as moscas.
Mia Couto 

A sociedade enriquece a mente, mas a solidão é a escola do gênio."
E. Gibbon
Solidao é estar sozinho entre varias pessoas e sentir falta de apenas uma... voce...
Caderno de frases e Poesias Scarlat 

Na solidão, o solitário devora a si mesmo; Na multidão devoram-no inúmeros. Então escolhe.
Nietzsche
Solidão Não É Ausência De Afeto,Mas Ausência De Rumo.
Mike Murdock
A cidade não é a solidão porque a cidade aniquila tudo o que povoa a solidão. A cidade é o vazio.
Pierre La Rochelle
Se você sente tédio quando está sozinho é porque está em péssima companhia

Jean-Paul Sartre
Encontra a paz, quem se alimenta da solidão ao invés de ser consumido por ela.
Cleber Martins
A solidão só é fobia para aqueles que a não sabem povoar.
Luís Eusébio
Triste é viver só de solidão...
Los Hermanos
A solidão ouve os sábios e abriga os loucos.
Francis Cirino
A arte é o desespero da solidão.
Fábio Saitta
A solidão de um poeta é o encanto do leitor.
R.Kennedy
Não tenha medo da solidão, ela é a sua única certeza.
Ruthely O.
A solidão tem uma beleza incompreendida.
Esther Martins
Ninguém pode conservar sua solidão se não sabe fazer-se odioso. (E.M.Cioran, Silogismos da Amargura, Rocco,1991,pg.47

Cioran
Preciso da solidão
pra ser eu mesma.
Sh
A solidão só dói, quando alguém a rouba e depois te devolve.
Célio Montagna
O Poeta é o arquiteto da sua própria solidão.
António Botêlho Focinheira
A solidão é uma maravilha quando é uma escolha, mas um tormento quando é imposta.
Pâmela Bubols
A solidão verdadeira é o refugio da alma para evitar a loucura...
Alan Pierry
O temor da solidão alimenta a angústia de ser quem eu não sou...
Renato Araújo
A solidão só é maldita pelos que não a conhecem.
Pumpkin
O que é solidão se não um meio de se estar acompanhado dos seus próprios pensamentos.
Jessica M. 

A alma de um poeta respira solidão.
D' Souza
Não gosto da solidão,ela que gosta de mim..
GabrielyStefanny
A pior solidão é aquela que não se cura com amor próprio.
Danilo Felix
Os que tendem a lidar mal com a solidão costumam lidar mal consigo mesmos.
Hellius Czar Monzon

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Os novos bárbaros

Nos achamos tão livres. Como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.
Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é. (…)
ELIANE BRUM

sábado, 30 de julho de 2016

Miméticos e proféticos

Os miméticos engrossam as estatísticas da maioria. Deve haver um grande prazer e conforto em imitar. Imitar para usufruir da recompensa enganosa de ser igual. Raros são os proféticos. São poucos os que se contentam com a mudança de cascas e indumentárias.
As massas se comprazem em arremedar e repetir. As massas fazem muito barulho e o barulho da multidão pode iludir os menos sensíveis.
Está tudo na mesma. No essencial, nada mudou. Para seres de superfície, qualquer movimento é sinônimo de mudança. Para quem  se diverte no fundo do poço, não há nada de novo sob o sol. 
Apesar de tudo o que fizemos, ainda somos como os moradores dessa Roma que não nos abandona. Somos Romanos tecnológicos e conectados. 
A verdadeira revolução redentora nunca aconteceu. O que pode mudar o mundo está no coração dos homens. Revolução digna desse nome, é de dentro para fora. Fora de nós acontece muita coisa; dentro de nós, está tudo praticamento intacto.
Os sentimentos têm a idade do homo sapiens. A inveja, o ódio, o egoísmo, a soberba, o orgulho, a vaidade, a ganância, a injustiça e a estupidez remontam à destruição do jardim do Éden.

terça-feira, 19 de julho de 2016

A cultura do silêncio

A hipocrisia emocional
Há muitos séculos que vigora a lei do silêncio. Existem assuntos-tabu como a morte, a fragilidade do humano, o non-sens do existir, a inveja e a felicidade, para citar apenas alguns. A espécie fugitiva sempre opta pelo que é frívolo. Prevalece a fobia fundamental a tudo que é essencial. Que bom que existe a metereologia e o futebol para evitar o silêncio e o mutismo das massas.
Atualmente, dentre os assuntos-tabu que sempre caracterisaram a falida civilização ocidental, está a felicidade. Supõe-se e é pura suposição, que está tudo bem e que o bem-estar impera. Hoje, problemas são sintomas de moléstia grave. Qualquer dificuldade emocional é trancada a sete chaves e proscrita.
Ao deduzirmos que todos são felizes, criamos uma profunda angústia em quem não é tão feliz assim. Nem todo mundo é capaz de atingir esse elevadíssimo padrão emocional. Eu não me surpreendo mais porque sei que a senha da convivência grupal é a mentira ou a omissão. E também sei que não há pior grosseria que a verdade.
Essa inócua felicidade facebuquiana provoca mais estragos do que se consegue imaginar. A felicidade teria que mudar de nome se fosse assim tão fácil.
Sugiro que parem com essa propaganda enganosa de felicidade absolutamente falsa. A felicidade gratuita dessa maioria mitômana, espalha muita infelicidade em quem vive por comparação e acredita nas balelas dos narcisos obscenos expostos indecentemente nessa pornografia contemporânea do sentimento.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Solitude

Enquanto enchia minha farta taça de vinho pela segunda vez, já com os dentes e lábios roxos, dei-me conta de que a mesa a que me sentava estava vazia, exceto por mim. Na cozinha também havia ninguém, assim como em todo o apartamento. Sequer música se podia ouvir. Eu estava só e engolida pelo silêncio.
Por um segundo, incomodou-me um pouco que a ideia de que alguém, vendo aquilo, pudesse concluir ser um momento de solidão abandonada. O ato de beber sozinho carrega a história de escritores decadentes e amores de insucesso, conferindo ao álcool um comportamento ambíguo: consumido em grupo, serve para brindar a vida; já em isolamento, serve para afogar as mágoas.
Entre um gole e outro de vinho, a verdade me caiu como um estalo: entre mim e aquele líquido, havia nada além de glória. Não existia ânsia por companhia, tampouco sofrimento por sua ausência. Pareceu-me injusto que não houvesse na Língua uma palavra que expressasse a glória de estar só, mas felizmente o sociólogo Paul Tillich teve a cortesia de me apresentá-la. Solitude. As quatro sílabas dançavam em minha língua já meio dormente. “O idioma criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho.” A Língua quase nunca desaponta.
Jobim inventou que é impossível ser feliz sozinho. Terceirizando a responsabilidade pela plenitude do espírito, criou-se o estigma do hedonismo acompanhado, de que a felicidade só é boa quando dividida. As redes sociais estão aí para perpetuar o sentimento: haja sorrisos, brindes, porres e bossa. Haja viagens, selfies em grupo, bares lotados e músicas entoadas em coro. Ficar sozinho parece coisa de gente humilhada e infeliz, mas talvez não suportar a própria companhia por um instante seja o autêntico sinal de infelicidade. Pessoas que têm hábitos como ir a cinema, beber, dançar e fazer compras sem companhia causam grande furor às demais, ainda que ninguém tenha a curiosidade de indagar se aquilo é ato intencional. Só que a balbúrdia costuma causar ilusão de felicidade e a verdadeira fuga pode residir aí.
É bem provável que uma vida inteira de solitude se transforme em solidão, mas é curioso como viver apenas em grupo cansa e chega uma hora em que tudo o que se quer fazer é correr dali para a calmaria do mar, que só é alcançada quando se nada para dentro. Solitude é uma opção, um deleite, uma vontade. Talvez sua graça seja saber que é facultativa e que, quando a alma pedir por compartilhamento, haverá pessoas queridas que ficarão felizes em oferecê-lo.
Necessário, portanto, ser forte e seguro para curtir a solitude, sendo a recompensa tanto simbólica quanto aproveitável. Basta perceber que grandes decisões e guinadas na vida costumam ser precedidas por momentos de recolhimento. Bastar-se não se restringe à negação das pessoas e do mundo, e, sim, saber que existir não depende necessariamente de alguém além de si.
Lara Brenner - Revista Bula

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Solidão e comunhão

Do gregário ao solitário
Na dosagem da solidão e da comunhão, quase todos preferem a comunhão. A ideia de comungar é sedutora e linda, embora esconda muitos dissabores.
Começamos comungando, mas comungar não basta e não é tudo na procura da felicidade.
A maturidade supõe saber viver dentro das fronteiras de si próprio. Quem passa por si mesmo, descobre que comungar não é obrigatório; pode ser opcional. E isso é muito bom.

sábado, 28 de maio de 2016

Curtidas - o novo valor que se alevanta

CURTIR
vtd 1 Tornar imputrescível e mais brando (couro, pelo); surrar. vtd 2 Preparar, pondo de molho em líquido adequado. vtd 3 Conservar em salmoura. vtd 4 Remolhar para extremar a parte filamentosa de (planta têxtil). vint 5 Fermentar: "O esterco curtia em um canto do curral." vtd 6 Endurecer pela exposição às intempéries. vpr 7 Tornar-se calejado, endurecido, insensível. vtd 8 Aguentar, padecer, sofrer: Curtir afrontas, censuras, penas. "Em tua dor curtiu angústia imensa" (Barão de Paranapiacaba). vtd 9 Passar ou viver sofrendo: "Grande parte de sua vida curtiu em longo exílio." vtd 10 gír Desfrutar com grande prazer: "Curtir um som." "Curtir a vida."

É interessante constatar as mudanças de sentido pelas quais a palavra passou. O Vtd 10 que é o sentido atual, é no mínimo inusitado e bizarro. Quem será que inventa e consolida os novos sentidos das palavras?
Hoje, não basta o Capitalismo onde o valor supremo é o dinheiro, você também tem que ser curtido pelos membros da sua espécie. A curtição não se limita a pequenos grupos como a família ou os colegas de trabalho, atualmente, você pode ter o prazer inefável de ser curtido pelo planeta inteiro.
Então, não basta mais ser apenas rico; você também tem que ser gostado. Rico e amado, eis o novo ideal, nesta época em que falecem todas as ideologias. A não ser que você compre as curtidas. Aí, só o vigora o capital.
É muita carência afetiva para pouquíssimos corações capazes de amar. O curioso é que você ( estou cansado de usar a palavra você) na grande maioria das vezes, será amado por desconhecidos; gente que nunca vai ver. Sempre lhe sobrará, no entanto, o poder e o privilégio de jogar na cara de todos, quantas curtidas teve.
Arranjaram mais uma solução fácil para a difícil arte de gostar. E quem não é assim tão curtido, como eu, por exemplo. Será que devo me sentir preterido pelo amor profundo desta humanidade tão cheia de sentimentos sublimes e magníficos? Será que devo entrar em profunda depressão e pensar na minha auto-extinção? Como invejo os que são tão curtidos. Ser curtido é ser feliz. Entendeu?
Neste mundo de tanta indiferença e de tão raros sentimentos nobres, qualquer besteirinha ilude os nossos egos entorpecidos e ávidos de amor e bem querer. Qualquer manifestação de amor postiço conquista o vazio dos corações aflitos. 

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A guerra dos egos

Eu que sou do tempo da guerra fria, começo concluindo que o ser humano não quer e não sabe viver em paz. É muito pouca coisa pra muitos vermes. 
Agora, tenho que me envolver na terceira  guerra mundial: a guerra dos egos. Vivo num mundo absolutamente gordo; almas infladas em corpos obesos.
Não queria me dar ao trabalho de encher a minha alma de ar só para poder entrar na guerra, mas a guerra está declarada. A continuarmos assim, também a alma vai fermentar e soltar flatulências. Não bastavam os flatos orgânicos, faltavam-nos os peidos anímicos. Como é deprimente viver numa sociedade que fede por todas as perspectivas e ainda destrói a camada de ozônio.
Hoje, falam em cibridismo, o preâmbulo da mais nova insanidade. Querem que eu viva na corda bamba entre o online e o offline. Eu não sou equilibrista e já não gosto mais de circos depois que tiraram os leões infelizes, angustiados e aos prantos.
O orgulho exacerbado e a vaidade extrema vão acabar com a espécie. Eu só quero cinco minutos antes do fim, para comemorar com Moët & Chandon, Épernay - France.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Entre dois mundos

O mundo esquizóide
No virtual, todos me amam e todos são felizes. Todos mostram o que lhes convem expôr. Todos me curtem e todos me marcam. No virtual, só palavras gentis - a gentileza é obrigatória. No virtual, se brigar com um, brigo com o grupo todo, brigo com o mundo inteiro. Tudo é público e escancarado e não há mais portas; há filtros. Todos empunham as mesmas bandeiras surradas e previsíveis. Todos perderam a timidez e se desnudam numa orgia existencial sem precedentes; o pudor já faleceu há décadas.
No real, nem um bom dia, nem um aceno de cabeça, nada. O real está ficando quieto e assustador. Quase todos debandaram para o virtual. O mundo fugiu para o Facebook e o meu mundo está deserto. 
Choro a morte do mundo e estou só nas ruínas do fim do mundo. Viver de mentirinha também é viver; esta é a nova ordem mundial. Falo com estranhos com  intimidade e  cerimônia. Os desconhecidos agora fazem parte do meu cotidiano. Amo e detesto gente que nunca vou ver na vida. Converti carência em arrogância e faço poses para a plateía. Vibro e  me regozijo quando a poderosa e sagrada internet nota a minha pobre presença.
Até há os que não sabem mais o que é carne e osso,  e têm uma ideia vaga da fisiologia. Projeto  imagens e pretendo ter relações humanas profundas com espectros. 
Comovo-me  e me enterneço com os rastros dos fantasmas cibernéticos. Resigno-me e me acovardo porque não tenho nenhum poder sobre as circunstâncias e  as tendências. Sinto que me tornei um produto e me dou ao sacrifício do consumo. Estou só num grande alvoroço e me empenho para me adaptar à esquizofrenia. Procuro gente e me contento com qualquer vestígio de humanidade.