Schadenfreude é uma palavra alemã, Schaden (dano) e Freude
(alegria), utilizada para designar o prazer obtido com os problemas dos
outros. É a palavra que dá significado ao sentimento descrito no dito
popular "pimenta nos olhos dos outros é refresco".
Schadenfreude pode ser observado desde as risadas causadas pelo palhaço
de circo que escorrega na casca de banana, ao prazer de algumas pessoas
com os problemas de Britney Spears dois anos atrás (cujas fotos
decadentes estiveram esparramadas por todos os tablóides em um grande
exempo da palavra), ao prazer com o divórcio da amiga que parecia ter o
casamento perfeito. Todos são exemplos deste sentimento nunca comentado
mas generalizado na população.
Desde os tempos bíblicos há menções de uma emoção semelhante na descrição ao schadenfreude: "Quando
cair o teu inimigo, não te alegres, nem se regozije o teu coração
quando ele tropeçar; Para que, vendo-o o Senhor, seja isso mau aos seus
olhos, e desvie dele a sua ira" (Provérbios 24:17-18). Na Grécia clássica, Aristóteles usou o termo epikhairekakia na obra Ética a Nicômaco, que quer dizer "alguém que sente prazer com o infortúnio de outro"
Quando o conceito passou a ser incorporado no linguajar europeu, apenas
sua menção causava horrores. Mesmo o lúgubre filósofo alemão do século
19 Arthur Schopenhauer considerava este prazer terrível demais para ser
contemplado e embora ateu, Shopenhauer dizia que schadenfreude era obra
do diabo. Teólogos protestantes e católicos posteriormente denunciaram
schadenfreude como um grave pecado, embora poucos estejam livre dele.
Homer
imagina a desgraça de Flanders com um sorriso nos lábios no episódio
"When Flanders Fails" (Quando Flanders Falha) da terceira temporada do
desenho americano Os Simpsons
Schadenfreude
atrai porque é uma vingança desempenhada sem qualquer esforço por parte
do observador. A sensação é parecida com a conquista de um inimigo. E é
justamente por esta razão que Friedrich Nietzsche argumentava que o
sentimento é de fato perigoso. O prazer sentido é ilegítimo e desta
forma culposo; o indivívuo nada fez para o receber. Uma vitória recebida
sem qualquer competição não pode ser nada mais do que "vendeta
imaginária", apenas uma satisfação virtual. Nietzsche chegou até mesmo a
hipotetizar que sentimentos de inferioridade intensificam o
schadenfreude.
O famoso filósofo alemão estava no caminho certo. R.H. Smith, um
psicólogo da Universidade de Kentucky nos EUA, estudioso da inveja em
psicologia social, escreveu diversos artigos que trazem evidências do
que Nietzsche teorizou. Smith realizou um experimento no qual estudava
reações a histórias aparentemente verdadeiras de dois estudantes de
medicina que arruinaram suas carreiras ao roubar drogas do laboratório
da universidade. Um deles era rico, bonito e bom aluno. O outro era o
oposto. Os voluntários no experimento de Smith sentiram mais alegria ao
ver o infortúnio do aluno que apresentava maior sucesso. Os achados de
Leach et al., publicados em 2003 no Journal of Personality and Social
Psychology reforçam estes achados. Os pesquisadores deste estudo,
analisaram o sentimento de prazer com a perda alemã no futebol.
Os psicólogos que investigam a área baseiam seu trabalho no que é conhecido como Social Comparison Theory
(Teoria da Comparação Social). O campo foi concebido na década de 1950
por Leon Festinger e é baseado na premissa de que os humanos avaliam-se
não tanto por objetivos estandardizados mas por comparação aos outros em
seu redor. Uma piadinha americana exemplifica isso:
Dois homens estão caminhando pela floresta quando encontram um urso.
O primeiro abre sua mochila e pega seus tênis. "Porque você
vai colocar tênis?'', pergunta o segundo. "É impossível correr
mais que um urso". "Eu não tenho que correr mais que o urso", responde o
homem, "só tenho que correr mais que você".
O jogador Ronaldo, vítima de Schadenfreude ao ter seu nome associado a uma orgia com travestis
Segundo esta teoria, nossos sucessos e insucessos na verdade são assim
concebidos com base no que as pessoas ao nosso redor têm ou fazem -
fazemos comparações sociais. Quando as pessoas à nossa volta sofrem perdas, isso faz com que nosso desempenho melhore.
Aaron Ben-Ze'ev, professor de filosofia na Universidade de Haifa, em
Israel, teoriza que as pessoas que invejamos mais são as mais próximas
em nosso círculo social. Em entrevista ao New York Times, ele disse:
"Você inveja mais um colega que ganha mil dólares a mais por ano do
que um presidente de empresa, que ganha milhões de dólares a mais". Ele
continua: "Também invejamos mais pessoas famosas, elas são símbolos para
nós".
No campo dos estudos de imagem, Takahashi et al, estudaram a neurologia
deste sentimento proibido. Os autores utilizaram fMRI (Ressonância
Magnética Funcional) para avaliar a ativação cerebral aos sentimentos de
inveja e schadenfreude em 19 voluntários. Os resultados foram
publicados na revista Science em 2009:
No experimento de inveja, os voluntários deveriam visualizar cenários
nos quais eram protagonistas. No primeiro cenário, um estudante A foi
bem nas provas da faculdade, mas o protagonista não foi. A é um atleta
talentoso (ao contrário do protagonista), é popular com as garotas e tem
uma bela e inteligente namorada (ao contrário do protagonista). A foi
bem numa entrevista de emprego e está se dando muito bem no trabalho.
Seu salário é bom e ele vive com estilo (ao contrário do protagonista).
No experimento de schadenfreude, o protagonista sai-se bem melhor do que
A. As análises envolveram comparação da ativação em diferentes regiões
cerebrais aos cenários de inveja, schadenfreude e neutro e os
voluntários também graduaram seus próprios sentimentos de inveja e
regozijo em cada cenário. Os resultados mostraram que o cenário de
inveja levou a maior ativação do córtex cingulado anterior (CCA) e este
achado foi correlacionado a maiores sentimentos relatados de inveja. O
CCA é relacionado a detecção de erros ou conflitos - quando a resposta
esperada não é a que acontece. O CCA também é ativado na dor, dor
empática ou dor associada a exclusão social. A ativação do CCA só
aconteceu quando o voluntário conseguia se relacionar com o objeto de
sua inveja. Se o voluntário imaginasse que a pessoa alvo é irrelevante
para comparação, os resultados mostravam indiferença (o que corrobora a
hipótese de Ben-Ze'ev).

Em
Portugal o apresentador de TV Carlos Cruz teve seu nome arrastado na
lama ao ser associado a um escândalo de pedofilia no Processo Casa Pia.
Vítima de schadenfreude, a última reportagem que li dele foi dizendo que
agora saía de férias em um trailer para parques de campismo ao invés de
ficar em hotéis 5 estrelas.
Os cenários de schadenfreude causaram ativação no estriado ventral e
esta ativação foi correlacionada a sentimentos auto-referidos de
schadenfreude. Da mesma forma que no cenário de inveja, a correlação só
foi positiva quando o exemplo alvo era relevante para comparação
pessoal. A ativação do estriado ventral é tipicamente associada a
estímulo de recompensa e os autores interpretaram sua ativação com
sentimentos de prazer.
Os autores concluem com a proposta de um mecanismo neurológico para
inveja e schadenfreude, que podem ser mediados de diversas formas. Uma
delas é que a pessoa em questão, alvo dos sentimentos deve ser
importante para um indivíduo. O quanto você empatiza com este indivíduo
alvo determina a intensidade dos sentimentos de inveja e schadenfreude.
Fulford (2003) em sua coluna no National Post acredita que
ocasionalmente o schadenfreude pode ser justificado e prazeroso. O autor
descreve a história de Peter Gay, que relata em seu livro My German Question
seu episódio de prazer com a desgraça alheia: Gay era um adolescente
judeu perseguido na alemanha nazista. Ele se lembra do prazer que sentiu
ao ver os atletas alemães perdendo medalhas para aqueles que tinham
certeza que eram seus inferiores (especialmente para um negro americano
no atletismo). Enquanto os fãs alemães agoniavam, Gay deliciava-se.
Schadenfreude, segundo Gay, "pode ser um dos grandes prazeres da vida."
P.S. - Schadenfreude [/ˈʃɑː.dənˌfrɔɪ.də/], literalmente, alegria ao dano) é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente
para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou
infortúnio de um terceiro. Em português o termo mais adequado para se
traduzir schadenfreude é “escárnio” (não podendo, no entanto, ser tido como um sinónimo absoluto).
A palavra deriva do alemão Schaden “dano, prejuízo” e Freude “alegria, prazer”.
Existe uma distinção entre schadenfreude discreta, o sentimento íntimo pessoal e schadenfreude pública, que se expressa abertamente mostrando escárnio, ironia ou sarcasmo perante a desventura sofrida por um terceiro.
Na língua portuguesa o sentimento de satisfação pelo infortúnio de outro expressa-se na exclamação "bem feito a ele ou ela" (schadenfreude pública).
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"Que coisa mais medonha de se imaginar que uma língua possa
possuir uma palavra que expresse o prazer que o homem sente para com
calamidades alheias; a própria existência da palavra presta testemunho
da existência da coisa. E mesmo assim, em mais de um idiotal palavra
existe ...
No grego epikhairekakia, no alemão Schadenfreude."
Richard C. Trench
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