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sábado, 16 de janeiro de 2016

Bypass

Bypass é um termo da língua inglesa que significa contornar, desviar ou dar a volta. Esta é a melhor decisão e a melhor estratégia para um bom caminho.
Leva-se décadas para ter a coragem de aprender a contornar, desviar e evitar os lugares comuns que só foram feitos para pisar e não para conduzir.
Gosto do novo,(sem a paranóia de descartar) do original, (até onde isso é possível) do incomum, do singular, do invulgar, do inusual, do optativo, do eletivo, do opcional, do voluntário, do livre e do facultativo.
Quem já aprendeu a contornar sabe que os outros não servem para nos fazer felizes. Servem para outras coisas, servem para tornar a vida mais divertida, menos monótona, mais confusa, mais emocionante, mais agitada e com bastante stress.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O focinho do mal

Muitas vezes tenho a impressão clara que as pessoas andam de olhos vendados. Quem anda de olhos vendados tem os seus movimentos orientados pelos outros. É uma situação sedutora e confortável. Os videntes que se recusam a ver não querem exercitar as suas retinas. Preferem viver pelas córneas dos outros; às custas do olhar alheio.
Sócrates, já se ferrou há 2.500 anos ao propor à juventude ateniense a autonomia da visão. Eu não sou Sócrates, eu não sou nada, mas pelo menos faço jus aos meus olhos físicos e metafóricos que a natureza e a vida me deram. E por isso sei que quem propõe autonomia, independência e poder pessoal, um dia vai se ferrar. Tudo é feito e previsto para o bando. Não correm riscos os que discursam para a boiada pacificada pela mentira.
Está todo mundo muito protegido por Papai Noel e outras entidades oníricas do encontro direto com o mal. Até parece, neste  velho e surrado faz-de-conta que o mal não existe. Até parece que gostam de você. Até parece. Até parece que você tem alguma importância. Até parece que os bons venceram finalmente. Até parece.
Adorei ter envelhecido e ter desenvolvido a capacidade de desmascarar o mal nas primeiras e balbuciantes hipocrisias. O mal não me assusta mais. Por saber que o bem é raro e que o mal é onipresente, estou familiarizado com os odores do mal. 
A minha maior ambição é poder permanecer imóvel e impávido diante dos horrores do mal. Confesso que ainda não cheguei a esse ponto. Mas hoje, já consigo identificar ao longe o monóxido tóxico que exalam os focinhos do mal.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Sucesso é o que a gente sente

Eu não sou de acalentar ilusões alheias; tenho tendência a destruí-las. Não vivo mais de ilusões. Nutro algumas esperanças vagas e talvez vãs, mas tenho todas as esperanças possíveis em mim.
Os fugitivos da luta, acabam por não saber fazer nada. Só confrontando os problemas do cotidiano com coragem é que aprendemos tudo, inclusive a trocar uma carrapeta.
Quem foge à luta porque não quer se estressar, porque não quer se incomodar, com o tempo torna-se uma pessoa inútil. Inútil para resolver coisas exteriores e inútil para promover o seu próprio bem-estar. Aos preguiçosos emocionais, não resta quase nada.
Quem não gosta de lutar porque incutiu ou incutiram-lhe que a vida é bela por si só e que este é um lugar de felicidade quase gratuita, prefere seguir e respeitar receitas estúpidas de comportamento.
Pois então, sucesso não é nada disso o que dizem por aí os mantenedores do status quo. Não tenho medo de achar que a civilização é patológica porque é mesmo.
É muito perigoso dizer-se que sucesso é aquilo que a gente sente porque poucos serão os bem sucedidos. 
Ninguém fala disso. Pra que falar de coisas importantes? Neste planeta, cerca de um milhão e 200 mil pessoas cometem o suicídio a cada ano. Há mais de 350 milhões de pessoas com depressão, etc,etc. Poupo-vos da ladainha de desgraças.
É preferível pensar que o sucesso só pode vir de fora e de preferência dos outros. Isso entretem, mantem-nos ocupados e até diverte a maioria, mas não significa coisa nenhuma.
Todos sabem como se sentem, mas poucos são os que têm a honestidade de dizer a verdade. E neste " me engana que eu gosto" coletivo, tudo tem os trajes e os trejeitos da verdade.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Criatividade e doença mental


Fama e fortuna não fazem muita diferença, a criatividade é que faz com que atores, músicos e escritores sejam mais propensos à depressão e vícios do que a média das pessoas comuns, de acordo com especialistas entrevistados pela AFP.
Foi a depressão que levou o criativo ator Robin Williams a supostamente cometer o suícidio, o mais recente caso de uma significativa e triste lista. Artistas como Jim Carrey, Catherine Zeta-Jones, Mel Gibson ou Poelvoorde já falaram abertamente sobre sua depressão, associada ou não ao consumo de álcool ou drogas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de 350 milhões de pessoas de todas as idades sofrem de depressão em todo o mundo. “Na sua forma mais grave, pode levar ao suicídio”, ressalta a OMS, que se refere a uma estimativa de “1 milhão de mortes a cada ano.”
A assessora de imprensa de Robin Williams, Mara Buxbaum, explicou que o herói de “Bom-dia, Vietnã”, “Uma babá quase perfeita”, “Gênio Indomável” e “A Sociedade dos Poetas Mortos” lutava contra uma depressão profunda. Segundo a polícia, a causa provável de sua morte foi “suicídio por asfixia”.
Para o professor Michel Reynaud, chefe do departamento de psiquiatria e dependência no hotel Paul Brousse em Villejuif, Paris, existe uma ligação entre talento criativo, depressão e dependência.
“Os artistas são muitas vezes pessoas mais sensíveis, sentem mais intensamente as emoções. Isso acontece geralmente com escritores, poetas, músicos, atores, de muita qualidade, mas por trás de seres muitas vezes ansiosos, deprimidos, bipolares”, observa.
Além disso, produtos com o álcool e as drogas, geralmente disponíveis em seu ambiente – “meio de divertimento, festivo, de dinheiro” – são vistos como facilitadores da expressão artística.
Deve-se ainda acrescentar, segundo ele, a pressão pelo sucesso e atores que vivem “numa espécie de exaltação narcisista”. “Eles dizem que representam bem a sua vida e narcisismo em cada filme ou cada peça”.
Sem razão claramente identificável
“Existem alguns estudos que ligam o talento criativo à saúde mental, embora o mecanismo exato ainda seja um mistério”, observa o professor Vikram Patel, diretor do Centro Britânico para a Saúde Mental Mundial (Global Mental Health).
“Os circuitos cerebrais que são a fonte da criatividade são os mesmos que os das doenças mentais, então, ser criativo pode aumentar o risco de doença mental”, diz.
A ligação entre depressão, transtorno bipolar e dependência também pode ocorrer, porque, segundo o professor Reynaud, “entre um terço e 50% dos viciados são deprimidos e a metade dos bipolares têm problemas de dependência”.
“E o vício por si só provoca síndromes depressivas, muitas vezes graves, durante as quais as pessoas podem cometer suicídio”, acrescenta.
Um estudo do Journal of Phenomenological Psychology em 2009 garantia que, ao mesmo tempo em que a celebridade pode trazer riqueza, privilégio e “imortalidade simbólica”, há um preço a pagar para o estado mental que isola as pessoas, os torna desconfiados em relação a outros, e que pode levar a uma divisão entre “celebridade” e “pessoa privada”.
Para Jeffrey Borenstein, presidente da Brain and Behaviour Research de Nova York, “as pessoas estão lutando para entender por que alguém que parece ter tudo pode estar deprimido”.
“Muitas vezes pensamos que a depressão ocorre durante uma vida difícil, e às vezes isso acontece, mas muitas vezes a depressão ocorre sem causa claramente identificada”, diz ele.
Os meios artísticos não são os únicos suscetíveis, revela ainda Reynaud, citando os comerciantes. ”Algumas profissões são mais vulneráveis que outras quando o modo de vida é desregrado, a pressão é grande e o acesso a produtos químicos é fácil”, resume.
Dominique Ageorges e Mariette Le Roux

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Felicidade com hora marcada

Hoje é um dia para ser feliz. É natal. Quem ousaria ser infeliz neste dia maravilhoso. O cara nasceu. O cara mudou o mundo e o mundo não mudou nem milímetro no que há de essencial. Vamos comemorar este mundo paralisado há milênios. Vamos comemorar  este ser humano que insiste em não mudar absolutamente nada. Alegria!
Aliás, quantas vezes você é feliz por ano? A sociedade de controle determina tudo, até os dias em que você tem a obrigação de ser feliz. Vamos contar então. Você é feliz no natal, no réveillon, no carnaval, no dia do seu aniversário, no dia da promoção no trabalho, no dia em que os outros te elogiam, no dia do seu casamento, no dia do nascimento do seu filho, no dia que seu time ganha. Vou parar por aqui. São muitos dias, sem dúvida, mas dá pra contar. Isto é um péssimo sinal. Se os seus dias de felicidade são tão previsíveis assim, você está no caminho da maioria, você está no caminho mais árduo e insano.
Tenho outra perspectiva da felicidade e de ser feliz.  A felicidade jorra dentro de mim a despeito das movimentações exteriores. A agitação exterior pode turvar a minha felicidade, mas nunca consegue destruí-la. Nunca, jamais, em tempo algum. A minha felicidade é um pacto secreto com o meu menino e com as minúcias da minha história que só eu conheço.
Então,  que bom! Você consegue ser feliz no natal, no carnaval ou quando toma umas e outras. Que bom! Fico feliz, mas a sua felicidade não chega a me contagiar porque amanhã de manhã, você estará de novo perdido, sem saber quem é, o que quer e o que faz neste planeta lindo e infecto.

Os demônios risonhos

Gostei de ter nascido aqui neste lugar. Que lugar bonito! Gosto de quase tudo o que vejo. Gosto muito de chuva e felizmente não sou mais romântico.
Por vezes, tudo vira de cabeça para baixo. O planeta lindo em que eu nasci, fica doido. As tempestades, as inundações, os vulcões e toda a sorte de catástrofes me fazem pensar que é a loucura que comanda o multiverso. Mas tudo se ronova, tudo se transforma e reconstitui. A beleza de outros movimentos do planeta vivo compensa o predomínio momentâneo da insanidade. (Tenho muita pena de quem acha que há sentido para todas as coisas.)
Está tudo bem com o planeta, mas há algo de muito errado com o ser humano. A filosofia surgiu por causa dessa percepção óbvia. Que ser estranho é esse que dominou tudo? Que ser bizarro é esse que tomou conta de tudo?
Estanco aqui as minhas divagações para dizer o que me interessa dizer. 
Conheço uma categoria de pessoas que sorriem enquanto te sodomizam. (Não posso mais usar as palavras exatas sob pena de ser execrado.) Em geral, têm poder hierárquico, político ou econômico, mas também podem não ter nenhuma ascendência sobre você. Quanto ainda terei que padecer por não suportar a teatralidade do cotidiano?
Essa categoria de pessoas finge o tempo todo. Quando será que essa gente para de representar? Será que conseguem mentir para o próprio travesseiro? Na minha época, travesseiro não aceitava grandes mentiras, mas as coisas mudaram tanto que ninguém molha mais os travesseiros com lágrimas de introspecção.
O que mais me intriga é que essa gente ri. Será que fazer o mal é engraçado ou será fazer o mal dá muito prazer? Tenho quase certeza que ferrar os outros deve dar um prazer mórbido, muito superior ao do orgasmo. A prova disso é a explosão demográfica dos demônios sorridentes. 
P.S. - Em alemão, esse prazer inefável chama-se Shadenfreude.

sábado, 19 de dezembro de 2015

A cilada existencial

  Illusions perdues
Para mim, atualmente, é muito fácil e muito claro.  Primeiro, temos o concurso dos hormônios e a procriação só acontece por causa deles. Sem testosterona não há vida humana. As pessoas procriam porque são instadas a isso pela carga hormonal acachapante.
Feita a besteira, é preciso remediá-la. O pobre infeliz sem consulta prévia, de repente, aparece no planeta azul. Por aqui, quase nada faz sentido. Como justificar a concepção? Como tornar o planeta  aliciante? Como convencer a vítima a continuar viva? Como tornar o absurdo lógico? Como? Como explicar o mau jeito? Como? Enchendo o pobre coitado de ilusões e não só. 
A educação é um processo em que o individuo é cevado de mitos, ilusões e meias verdades. E quando ele está bem gordo, está no ponto, está pronto pra se ferrar.
Hoje, a juventude é bem mais magra de ilusões. Eu e a minha geração sofremos de obesidade ilusória. Quanta babaquice nos enfiaram goela abaixo!
Se a vida não conseguiu te desiludir, ela não terá cumprido o seu papel principal. A função principal da vida é te livrar das ilusões. Se tu tens mais de quarenta anos e não te desiludiste, também não viveste, vegetaste à sombra das tuas ilusões. Os indianos já sabem disso há milênios. Para os ocidentais, isso ainda não está nada claro.
Só despido de ilusões e existencialmente nú, podes começar a ser feliz. Só quando perdes grande parte dessa parafernália cultural de sobrevivência mental, te recuperas da cilada e podes eventualmente te encontrar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sem mentira não há vida social

A mentira é a senha para se viver em sociedade. Nunca se mentiu tanto. Com o advento das redes sociais, não temos mais  a voz com todas as suas modulações, não temos mais o corpo que sempre é muito eloquente, temos apenas palavras escritas e as palavras servem muito mais para mentir do que para dizer a verdade.
Aparentemente, todos sabem disso, mas fingem não saber. Sempre me pergunto, por onde andam os mentirosos se todos dizem dizer a verdade e somente a verdade. Por onde andam os ladrões, se todos se dizem profundamente honestos. Por onde andam os maus, se todos são irrepreensívelmente bons. Por andam os culpados, se todos são inocentes.
Se as pessoas fossem o que dizem ser, com certeza teríamos um mundo bem melhor. Todos se queixam e ninguém se enxerga.
Estou cansado do circo e não tenho vocação para palhaço, embora tenha sido palhaço a maior parte da minha vida. Adoram nos fazer de palhaços. Sempre acalentei a ideia secreta de fugir do circo. Também cheguei a pensar em tacar fogo no circo, mas nunca tive fósforos suficientes. O circo tem o tamanho de tudo. 
Haverá vida sem circo? Haverá vida, sem palhaçada? O que acontece com quem se recusa a participar da palhaçada?
Em tempo, todos já sabem, mas não custa repetir que persona em latim significa máscara.
Aproveito a oportunidade para oferecer a quem me lê, algumas frases sobre este tema que eu achei muito pitorescas e divertidas.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A doença boa

 A doença mental epidêmica
O trabalho cuja etimologia está ligada a um instrumento de tortura medieval chamado "Tripalium", hoje é guindado à categoria de melhor atividade para o ser humano normal.
Sou dono de uma das imaginações mais férteis de que se tem notícia, não obstante,  jamais poderia supor que alguém um dia se viciaria em trabalhar. Isto ultrapassou sobejamente todos os limites da minha capacidade de devanear.
Todos os viciados em trabalho, acham sem exceções que são as pessoas mais saudáveis do mundo porque trabalhar é bom, é digno, enobrece, engrandece e outras baboseiras culturais repetidas à exaustão.
Se um determinado indivíduo não consegue viver e ser feliz sem trabalhar, se até aos domingos trabalha, se também trabalha nas férias e se apenas o trabalho lhe faculta bem-estar, esse cara está enfermo. E o pior desta patologia esdrúxula é que esses doentes por exercerem na grande maioria das vezes, cargos de mando, condenam toda a instituição à enfermidade. Em outras palavras, se o chefe é maluco, todo mundo tem que se tornar maluco urgentemente para agradar ao chefinho doidão. É um círculo vicioso e uma bola de neve. Parece que o Aedes aegypti do trabalho picou todo mundo.
Atualmente, só se fala em corpo. Como alimentar o corpo, como cuidar do corpo, como embelezar o corpo, como usufruir do corpo e como ser um corpo que tem um sistema nervoso central. Fala-se também, exagerada e obsessivamente em trabalhar porque o neoliberalismo nos roubou o tempo livre, o tempo de viver. Há uma relação óbvia entre o capitalismo cruel e desalmado e o trabalho-doença. E no meio desta relação está sentada a dona ganância.
As pessoas fazem uma confusão enorme entre trabalhar e viver porque estão doentes. Trabalhar  também passou a fazer parte da vida, mas viver não é trabalhar. Há milhões de coisas muito mais interessantes e saudáveis a fazer e com pouco dinheiro. Só um doente muitíssimo grave pode extraír do trabalho que estressa, desgasta, extenua, humilha, maltratada e violenta, a única e maior fonte de prazer. 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Só usamos 10% do cérebro: verdade ou mito?


Nós só usamos 10% da capacidade do nosso cérebro: verdade ou mito?
A voz de Morgan Freeman faz com que qualquer coisa pareça verdade, seja ela cientificamente plausível ou não. No filme Lucy, o personagem de Freeman cita o “fato” de que os humanos usam apenas 10% dos seus recursos cerebrais. E isso não poderia estar mais errado. Mas se está errado, por que esse mito continua sendo divulgado? E quanto da capacidade do nosso cérebro nós realmente usamos?
As origens do mito dos 10%
A ideia que os seres humanos operam com apenas um décimo de uma capacidade cerebral está por aí desde a Era Vitoriana, quando a medicina moderna ainda estava cambaleando entre ciências como a frenologia (o estudo dos crânios) ou a medicina manipulativa osteopática (holística). E como acontece com muitas das lendas urbanas, a raiz do mito dos 10% tem nada menos que meia dúzia de possíveis inventores.
A fonte em potencial mais antiga vem do trabalho de Jean Pierre Flourens, um dos pais fundadores da ciência cognitiva moderna, inventor da anestesia e o homem que provou que a consciência reside no cérebro, e não no coração. Seu trabalho pioneiro em demonstrar as funcionalidades regionais dos hemisférios do cérebro frequentemente chama uma grande parte da massa cinzenta de “córtex silencioso”, o que pode ter influenciado os pesquisadores que vieram depois a acreditar que essa região, agora conhecida como córtex associativo, não tinha função alguma.
Outra fonte do mito poderia ser o charlatanismo da Teoria da Reserva de Energia, apresentada pelos psicólogos de Harvard William James e Boris Sidis na década de 1890. A pesquisa deles, que consistiu em elevar a prodígio o filho de Sidis, William (a criança tinha um QI relatado entre 250 e 300, quase o dobro dos 160 pontos de Einstein) num ambiente de desenvolvimento acelerado. Os pesquisadores levaram o enorme intelecto da criança como prova de que todo ser humano deveria ter algumas reservas escondidas de energia mental e física. Em um ensaio chamado The Energies of Men, James afirma: “Nós só estamos fazendo uso de uma pequena parte dos nossos recursos mentais e físicos”. Essa ideia foi popularizada mais tarde por Lowell Thomas no prefácio do livro Como fazer amigos e influenciar pessoas: “O Professor William James de Harvard costumava dizer que o homem comum desenvolve apenas dez por cento de sua habilidade mental latente”.
O mito dos 10% acabou ganhando ainda mais credibilidade nas décadas de 1920 e 1930, por conta do trabalho psicólogo americano Karl Lashley. Através de suas tentativas de quantificar a relação entre massa e função no cérebro, Lashley descobriu que ratos poderiam reaprender tarefas específicas depois de terem sofrido danos no córtex cerebral. No entanto, nosso entendimento da função cerebral naquela época ainda era muito verde e as conexões que ele sugere entre a ação de massa (o aprendizado é governado pelo córtex cerebral como um todo, e não há regiões específicas para ele) e equipotencialidade (a percepção sensorial pode ser reaprendida por outras regiões do cérebro depois do dano) podem ter dado origem ao mito.
Como nós sabemos que usamos mais de 10% do nosso cérebro?
Felizmente, o campo da neurociência avançou aos trancos e barrancos desde a primeira metade do século passado e nós aprendemos que, assim como acontece com o esperma, cada célula cerebral é extremamente importante.
O cérebro humano constitui 1/40 da massa total de um ser humano, em média, mas consome um quinto das calorias que ingerimos. Do ponto de vista evolutivo, no qual todos os nossos órgãos foram criados e naturalmente selecionados ao longo de eras para a eficiência, ter um cérebro que suga 20% de nossas reservas energéticas diárias para ter uma eficiência de 10% simplesmente não faz nenhum sentido.
Pesquisas clínicas feitas nos últimos 80 anos têm trazido evidências similares. Mesmo um pequeno dano a qualquer região da sua massa cinzenta — causado por um AVC, por uma lesão ou doença — pode resultar em declínios neurológicos catastróficos. “Vários tipos de estudos de imagem cerebral mostram que nenhuma área do cérebro é completamente silenciosa ou inativa”, dizem a Dra. Rachel C. Vreeman e o Dr. Aaron E. Carrol em um estudo sobre os mitos médicos. “Uma sondagem detalhada do cérebro não foi capaz de identificar os 90% que não funcionam”.
Por outro lado, as terapias de estimulação elétrica ainda precisam descobrir quaisquer reservas de intelecto, embora a prática venha mostrando promessas para o tratamento de epilepsia e de um pequeno número de outras doenças neurológicas. Um estudo de 2008 publicado na Scientific American por Barry Gordon, um neurologista da Escola John Hopkins de Medicina, afirma inequivocamente que “virtualmente, nós usamos cada parte do nosso cérebro, e [a maior parte] do cérebro está ativa quase o tempo todo”. De fato, pesquisas com ressonância magnética e outras tecnologias de imagem têm mostrado que todo o cérebro está ativo quase o tempo todo — mesmo quando estamos fazendo tarefas de rotina.
“Vamos colocar dessa forma”, ele disse à Scientific American. “O cérebro representa 3% do peso do corpo humano e usa 20% da energia do corpo”.
Então o que aconteceria se nós realmente só usássemos 10% dos nossos cérebros?
Digamos que remover 90% do seu cérebro não fosse te matar de imediato. O que aconteceria? De acordo com a Universidade de Washington, os resultados não seriam nada legais.
Em média o cérebro humano pesa cerca de 1.400 gramas. Se 90% dele fosse removido, sobrariam cerca de 140 gramas de tecido cerebral, o que é mais ou menos do tamanho do cérebro de uma ovelha. É sabido que o dano causado a uma área relativamente pequena do cérebro — como o que acontece quando alguém tem um derrame –, pode causar deficiências devastadoras. Algumas doenças neurológicas, como o Parkinson, também afetam áreas específicas do cérebro. O dano causado por essas doenças é bem menor do que a remoção de 90% do cérebro, é óbvio.
Então é isso: elimine 90% do cérebro e você pode ser oficialmente reclassificado como uma ovelha.
Então quando você assistir a esse filme com a Scarlett Johansson ganhando poderes telecinéticos enquanto ela vai “destravando” mais e mais de seu potencial cerebral, saiba que isso é só mais uma lenda que um roteirista resolveu usar como parte de um roteiro.
Scientific American - John Hopkins University