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sábado, 4 de janeiro de 2020

Vísceras conscientes rodando no espaço

Gostaria muito de saber qual foi o demônio que deu consciência às vísceras e as fez vagar no espaço?

Eu não pertenço a este mundo

Eu não pertenço a este mundo de gente carbo hidratada que não diz bom dia nem boa noite. Não pertenço a um mundo de gente que não me vê  e olha patologicamente para uma lanterna acesa que não ilumina nada.
Não pertenço a este mundo de gente punheteira que prefere a obscenidade da arrogância e da estupidez.  
Não pertenço a este mundo de gente que não entende porra nenhuma da arte de viver e virou coach existencial. Não pertenço a um mundo onde todos são brandos e iguais.
Não pertenço a um mundo de estética duvidosa de orelhas alargadas, roupas rasgadas, tatuagens e ferros no focinho. Eu não pertenço a um mundo de pessoas irrequietas, tristes e retardadas que riem  compulsivamente para uma platéia fantasiosa e falsa.
Eu não pertenço a um mundo de gente que não lê, que me obriga a mutilar a minha criatividade e me faz parar por aqui.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Go for the jugular

Go for the jugular
To make a serious effort to defeat someone, usually by criticizing or harming them in a hard way.

Ex: Cunningham went straight for the jugular, telling him that his work was a complete disaster.
Tradução
Fazer um esforço sério para derrotar alguém, geralmente criticando ou prejudicando-o de maneira árdua.
Ex: Cunningham foi direto na jugular, dizendo que seu trabalho foi um desastre completo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Contra o inseticídio

Na onda insana do politicamente correto, pode surgir por aí uma ONG para defender veementemente os direitos inalienáveis dos insetos domésticos.
Todos os inseticidas serão proibidos e exaltar-se-à a dignidade insofismável da barata. Temos uma dívida histórica para com a barata porque sempre a dizimamos cruel e impiedosamente. Isso para não falar dos injustiçados pernilongos que têm direito legítimo à vida, ainda que seja às custas do nosso sangue.
E as moscas! Que ser elevado e profundo! Abaixo os Serial Killers de moscas! Cadeia para esses bandidos!
Na grande revolução da modernidade líquida, sonha-se com um mundo limpo, saudável, perfeito ,cheio de moscas, baratas e outras criaturas sublimes.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Retrotopia

De volta ao passado na era da nostalgia, em decorrência da crise dos Estados-nação e do abismo cada vez maior entre poder e política, a retrotopia é a utopia do passado. Vivemos a perda completa da esperança de alcançar a felicidade em algum lugar idealizado no futuro - como a famosa ilha Utopia imaginada por Thomas More - o que leva a uma glorificação de práticas e projetos de tempos passados. Este é o último livro de Bauman, o grande pensador da modernidade líquida, falecido em janeiro de 2017. Retrotopia disseca o fenômeno atual de busca por um mundo melhor não mais no futuro a ser construído, mas em ideias e ideais do passado, como nacionalismos exacerbados e fechamento de fronteiras. Assim, a nostalgia se transformou em um mecanismo de defesa nos últimos tempos. Grandes planos do passado - abandonados, mas não mortos - estão sendo ressuscitados e reabilitados como possíveis caminhos para um mundo melhor.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Trabalhar não é viver

O ex-presidente e atual senador uruguaio José “Pepe” Mujica participou do seminário Democracia na América Latina, promovido pelo Laboratório de Cultura Digital da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Na ocasião, Mujica defendeu uma mudança na cultura para que a democracia vá além da discussão sobre gerar empregos, crescimento econômico e competitividade.
“O que temos que lutar é por uma sociedade diferente, por transformar a civilização, em que a prioridade seja viver e não trabalhar”, disse Mujica em palestra de cerca de 40 minutos.
Segundo ele, os grandes problemas da humanidade são causados pelo fato de a cultura consumo ser o foco das prioridades políticas. “O homem tem os recursos para varrer a miséria de todo o mundo. Basta que esta seja a prioridade. Já tem os recursos. Não há problema ecológico, há problema político”, disse.
Mujica aponta que a “democracia do consumo” leva os indivíduos a viver para trabalhar. “As pessoas dedicam toda a sua vida ao trabalho, a produzir riqueza, para poder consumir, para gerar esse crescimento econômico. Mas a vida não é só trabalho. É preciso viver, é preciso amar, é preciso ser feliz, precisa-se de tempo para viver amar e ser feliz. Ninguém compra cinco anos de vida no supermercado”, disse. “Ou você luta para mudar a sociedade, construir uma civilização para a felicidade e que se torne o motor principal e não o mercado, ou será cooptado por uma multinacional”, complementou.
O senador ainda conclui afirmando que o cidadão foi transformado em uma “máquina de consumismo”. “A acumulação capitalista necessita que compremos, compremos e gastemos e gastemos. Vendem mentiras até que te tiram o último dinheiro. Essa é a nossa cultura e a única saída é a contracultura”.
*Com informações do Paraná Portal

sábado, 2 de novembro de 2019

Os mendigos do afeto

Tanta arrogância, tantas peripécias, tantas acrobacias, tanto circo, tanta dissimulação, tanta mentira e o que as pessoas querem de fato é só um pouquinho de afeto.
Tanta fúria, tanto ódio, tanta luta e o que as pessoas querem é só um pouquinho de afeto. 
Tanto sofrimento, tantas brigas, tanta estupidez e o que as pessoas querem é só um pouquinho de afeto.
Tanto tempo desperdiçado, tanto sofrimento, tantas guerras, tanta inveja e o que as pessoas querem mesmo, é só um fragmento de afeto.
E o mais dramático é que são poucos os que têm um grão de afeto para doar.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Temos que deprimir as massas

Em primeiro lugar, não se considere parte integrante das massas. Massas não leem blogs. Não se ofenda.
As massas são exploradas,  reprimidas, vilipendiadas, aviltadas, maculadas, enxovalhadas e ainda assim continuam esfuziantes.
Temos que fazer alguma coisa para que as massas despertem. 
Na era das depressões, que tal deprimirmos as massas? Privando as massas do futebol, das religiões, do carnaval e de outros divertimentos perigosos, as massas podem finalmente tomar consciência do que é real. A depressão pode ser um santo remédio.
É uma tentativa desesperada diante de tanta alienação. Só tenho receio dos suicídios coletivos.

sábado, 19 de outubro de 2019

A arrogância já chegou à sarjeta

A arrogância está tão exacerbada que até os mendigos perderam a humildade. Na modernidade líquida, os esmoleres estão mais sólidos do que nunca. Só estão aceitando notas. Foi-se o tempo dos tostões  e das moedas.

sábado, 21 de setembro de 2019

sábado, 27 de julho de 2019

É proibido odiar

Eu não estou a defender o ódio, mas o ódio é inevitável, intrínseco e inexorável. Depois que cunharam a expressão " discurso de ódio", o que vamos fazer com o ódio que sentimos?
A prova irrefutável da patologia, da infantilidade  e da insanidade do politicamente correto é a negação do óbvio e a repressão da evidência. Isso não acaba com o mal; apenas o mascara.
Todos sabem que o amor é o sentimento mais raro no planeta e  que o seu antípoda é o mais comum. Alguém refuta esta conclusão ululante? Ou por outra, se as pessoas não sentem ódio, sentem uma incomensurável indiferença. Será que vão proibir a indiferença também?
O ódio não é uma doença; o ódio é só um sentimento que não pode ser extinto por decreto.
Ironicamente, só estamos autorizados a amar e quase ninguém ama.

sábado, 1 de junho de 2019

A ortomania

No líquido da pós-modernidade que escorre não sei para onde, surge algo sólido e concreto: a certeza de que há uma maneira certa para se fazer o que quer que seja.
Agora, há uma maneira certa para seduzir, para fazer sexo, para se vestir, para arranjar um emprego, para falar, para fazer cocô, para viajar, para escrever um livro, para se vestir, para cozinhar, para ser.
E para nos ensinar tudo isto, temos o coach, de procedência duvidosa, que sabe tudo, é idolatrado e ganha milhões. Tempos sombrios. 
*Ortomania, neste sentido é um neologismo meu, mas também pode ser uma mania imaginada por linhas retas.

sábado, 18 de maio de 2019

O animal envergonhado


O animal que existe no homem é proibido. Contraditoriamente, também usufruímos do animal escondido. 
Todas as características  eminentemente animais são tacitamente negadas. Defeca-se, urina-se, tira-se meleca do nariz, peida-se e fode-se veladamente.
Como dizia Nietzsche: "somos uma corda atada entre o animal e o além do homem." Somos uma corda sobre o abismo.

sábado, 13 de abril de 2019

Próximo livro

Uma história real acontecida no final dos anos 80, no Brasil, que expõe o horror da psiquiatria e dos hospícios dessa época.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Os novos penitentes

Quando me assusto com a estética da pós-modernidade, sou levado a pensar que se trata de uma nova forma de penitência.
Tatuagens feitas às custas de muito dinheiro e sofrimento, alargadores de orelhas e não só, piercings, roupa rasgada, mochilas gigantes,  body "art", corset piercing, músculos expostos e gorduras esparramadas, cabelos azuis, barbas  à Pedro II, cabeças raspadas e para completar, celulares sempre ligados. Com certeza, são os novos pagadores de promessas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

O pós-humano

O pós-humano tem a nova cara do fascismo e não parece porque a maioria se diz apaixonada e solidária com todas as minorias e com todas as vítimas de preconceito. Ou é piada ou é puro delírio.
O que é que houve? Será que o impossível aconteceu? Desde quando a maioria estulta se interessa por injustiças? Não consigo acreditar em tamanha magnanimidade. Há alguma impostura neste modismo.
Numa época de desenfreada barbárie querem me convencer que o pós-humanismo  se humanizou? Só pode ser uma farsa intelectual.

sábado, 6 de outubro de 2018

Para os leitores da bíblia











Quando se fala em procriação, todos citam de maneira retumbante (quase batendo no peito) o célebre "crescei e multiplicai-vos".«Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra » (Gn 1, 28). Isto foi "dito" quando o paraíso ainda existia.

Esquecem-se, no entanto, do Nazareno em Lucas 23, versículos 27, 28 e 29.
Enquanto Jesus era levado para ser crucificado no Gólgota (Calvário), algumas mulheres o seguiam e se lamentavam por causa dele. 
Jesus, porém, voltou-se para elas e disse: "Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e por vossos filhos! Pois, eis que virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, as entranhas que não conceberam e os seios que não amamentaram!"
Neste período, não havia mais paraíso. Já estávamos sob o Império do Mal.

sábado, 18 de agosto de 2018

O fim do mundo

Estamos em pleno fim do mundo. O fim do mundo não é um momento; é um processo.
Joaquim ESTEVES

Óticas mutiladas


É assustador como os valores e os conceitos mudaram para pior. 
A sinceridade é mais uma das qualidades que envelheceu. Está tudo velho e o novo é completamente insano.
Não há mais pessoas sinceras. Quem é sincero, hoje responde por outro adjetivo: polêmico, ou seja, duvidoso, controverso, discutível, problemático, etc. Ser sincero, agora é um grave defeito.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Os cães de Pavlov



A repetição é uma das bases da assimilação, da memorização e da incorporação de conteúdos. A repetição não é todavia, a base de um verdadeiro aprendizado. Ivan Petrovich Pavlov serve para cachorros e seres humanos precários. Freud, Jung, Reich, Lacan e outros, só podem ser aplicados a seres mais sofisticados. Afinal, até prova em contrário, cães não sofrem de complexo de Édipo.

Em certas regiões e camadas desta limada e polida cultura Judaico-Cristã, só se pode aplicar Pavlov.
Os cães estão à solta, hidrófobos, espumosos, loucos e de terno e gravata . 
Os cães latem preservando orgulhosamente o tom e as pausas dos latidos politicamente corretos. 
Cair no abismo, viver no abismo, caminhar no abismo é para muito poucos. Rezar no abismo é recurso desesperado de determinado setor. Negar o abismo é uma estratégia pretensamente astuciosa de quase toda a humanidade. 
A repetição por suas características promove a manutenção, o estatismo, o imobilismo, a paralisia e conduz à infelicidade.

O prazer da solidão




Somos animais sociais, já dizia Aristóteles. Precisamos dos outros para viver e dar sentido ao que fazemos. Mas também precisamos estar com nós mesmos, sem interrupções, sem telefones celulares ou redes sociais e sem nada que implique ruído externo. Não falamos da solidão profunda, que nos aterroriza, mas de um tempo para refletir, que nos ajuda a sermos mais exigentes, mais criativos e mais felizes. Quase nada. Vamos ver por que ela é benéfica e como consegui-la.
Primeiro, saber conviver com a solidão nos torna mais livres. Quando nos angustiamos ao estarmos sozinhos, nos aferramos a relacionamentos que podem ser nocivos ou a propósitos dos quais no fundo não gostamos, mas que nos aliviam. Na medida em que sabemos conviver sozinhos com nós mesmos (não estamos falando em ser ermitãos que é outra coisa), podemos ser mais exigentes com aqueles que nos rodeiam e claro, isso nos ajuda a termos mais autoconhecimento.
A ciência provou que a solidão nos permite valorizar mais o que temos. Nos anos noventa, Reed Larson, professor de Desenvolvimento Humano da Universidade de Illinois, realizou um estudo com adolescentes pedindo que levassem um pager. Durante alguns dias, tiveram de informar com quem estavam, o que faziam e como se sentiam. O estudo mostrou que quando estavam sozinhos estavam mais tristes, mas, curiosamente, depois desse tempo, quando voltavam a estar em companhia, seus indicadores de felicidade aumentavam mais comparativamente. De certa forma, podemos dizer que a solidão age como uma bússola, que nos faz valorizar mais o que temos ou como Larson resume, “age como um remédio amargo”.
E finalmente, nos ajuda a desenvolver mais nossos talentos. Os grandes cientistas não teriam chegado às suas conclusões se não tivessem tido espaços para realizar seu trabalho de modo solitário. Mesmo os líderes mais admirados precisam assumir a solidão na tomada de certas decisões que nem sempre são compreendidas, mas que são necessárias, segundo a análise publicada na Harvard Business Review. Se não dedicarmos tempo para trabalhar sozinhos, será difícil desenvolver todo o nosso potencial, porque a pressão de grupo nem sempre tem um impacto positivo sobre nós.
Em suma, se certa solidão é boa, precisamos colocar um parêntesis no ambiente e aprender a estar com nós mesmos. Portanto, deveríamos fazer uma pergunta simples: quanto tempo passamos por dia sem que o mundo ou as obrigações nos distraiam? Nossa agenda, inclusive durante as férias, deve incluir um tempo para estar com nós mesmos, sem celular, sem televisão. O objetivo não é criar uma solidão guiada por redes sociais ou pela televisão, mas um tempo que nos permita refletir, desfrutar dos nossos hobbies, praticar esportes ou simplesmente não fazer nada. E embora isso não seja compreendido por aqueles que nos rodeiam ou estejamos no meio de uma grande balbúrdia, precisamos defendê-lo junto ao parceiro, à família ou aos amigos. Só assim seremos capazes de nos conhecer melhor, descansar e desfrutar mais das pessoas que estão ao nosso lado. 
El País (Adaptado)

terça-feira, 17 de julho de 2018

O comportamento de manada


A estratégia que vem sendo usada por perfis falsos no Brasil e no mundo para influenciar a opinião pública nas redes sociais se aproveita de uma característica psicológica conhecida como "comportamento de manada".
O conceito faz referência ao comportamento de animais que se juntam para se proteger ou fugir de um predador. Aplicado aos seres humanos, refere-se à tendência das pessoas de seguirem um grande influenciador ou mesmo um determinado grupo, sem que a decisão passe, necessariamente, por uma reflexão individual.
"Se muitas pessoas compartilham uma ideia, outras tendem a segui-la. É semelhante à escolha de um restaurante quando você não tem informação. Você vê que um está vazio e que outro tem três casais. Escolhe qual? O que tem gente. Você escolhe porque acredita que, se outros já escolheram, deve ter algum fundamento nisso", diz Fabrício Benevenuto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre a atuação de usuários nas redes sociais.
Ele estuda desinformação nas redes e testou sua teoria com um experimento: controlou quais comentários apareciam em um vídeo do YouTube e monitorou a reação de diferentes pessoas. 
Quanto mais elas eram expostas só a comentários negativos, mais tendiam a ter uma reação negativa em relação àquele vídeo e vice-versa. 
"Um vai com a opinião do outro", conclui Benevenuto. Em seu experimento, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a influência estava também ligada a níveis de escolaridade: quanto menor o nível, mais fácil era ser influenciado. 
Texto adaptado

domingo, 15 de julho de 2018

A massificação da produção literária

Não é mais preciso ter talento. Basta ser arrogante o suficiente para intitular-se escritor. Paradoxalmente, numa época de baixíssima criatividade, o mundo pariu escritores em todas as latitudes.
O advento da publicação digital aliado à ausência absoluta da mais ínfima auto-crítica, intoxicou-nos de poetas e literatos.
Só o futuro poderá avaliar adequadamente a pretensão ridícula desta enxurrada incoercível de homens e mulheres de letras.
Misericórdia!

sábado, 23 de junho de 2018

O recato das almas


Definitivamente, o ser humano é o animal mais envergonhado da via láctea. Por ser nu, inventou a alta -costura e por horror a si próprio, perdeu-se em mil máscaras e disfarces.
Pertenço a uma  espécie-travesti que sonega a realidade e finge acreditar profundamente na representação e na trapaça.
E eu, já estou farto de gente  bem vestida e arrumada de corpo e alma. 

sábado, 9 de junho de 2018

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Gato e sapato

Alguns ficam doidos tentando descobrir o sentido primeiro das expressões idiomáticas e dos provérbios. Não nos passa pela cabeça que muitas das vezes, são  obras de seres muito pouco brilhantes. 
Na expressão " fazer de gato e sapato" só a rima de gato com sapato pode explicar tamanha sandice.
A expressão inteligível deveria ser "fazer de cão e sapato". O cachorro sofre de ansiedade da separação e fica completamente louco diante da solidão. Já o gato, não só gosta da solidão como é feliz sozinho. 
Como maltratar alguém que está muito bem sozinho. Como fazer do gato, sapato? Como? Impossível.
Por analogia, deduzo que só os humanos que são demasiado caninos - e estamos muito mais próximos dos cães como animais gregários - podem ser vilipendiados, humilhados e desprezados pelo grupo.
O ser humano poderia desenvolver um lado que não lhe é próprio; o lado felino. E digo mais, gratuitamente e para todos: um ser humano que tem boas relações com a solidão e que tem a sua libido sob controle, é simplesmente imparável.
P.S.- Nenhuma destas constatações impede minimamente a convivência social.

sábado, 26 de maio de 2018

Kafka e a boneca viajante

Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular. Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque havia perdido sua boneca. 
Kafka ofereceu ajuda para encontrar a boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. 
Nao tendo encontrado a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se encontraram. A carta dizia : “Por favor, não chore por mim, parti numa viagem para ver o mundo. ”. 
Durante três semanas, Kafka entregou pontualmente à menina outras cartas que narravam as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Madagascar… 
Tudo para que a menina esquecesse a grande tristeza! 
Esta história foi contada para alguns jornais e inspirou um livro de Jordi Sierra i Fabra ( Kafka e a Boneca Viajante ) onde o escritor imagina como teriam sido as conversas e o conteúdo das cartas de Kafka. 
No fim, Kafka presenteou a menina com uma outra boneca. 
Ela era obviamente diferente da boneca original. 
Uma carta anexa explicava: “minhas viagens me transformaram…”. 
Anos depois, a garota encontrou um bilhete enfiado numa abertura escondida da querida boneca substituta. 
O bilhete dizia: 
“Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”.
Franz Kafka e a Boneca Viajante

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Animais do abismo

" A imperfeição da vida nos é insuportável, temos horror em ser animais do abismo, por isso buscamos utopias de perfeição."
Luiz Felipe PONDÉ

sábado, 19 de maio de 2018

Eu não sou culpado

E de repente, o mundo ocidental é tomado por uma onda avassaladora de remorso e arrependimento. Tudo falso, como de costume. O pior é que eu e muitos outros, fomos eleitos bodes expiatórios  para os pecados da maioria.
Só me relaciono com minorias e tenho verdadeiro horror à cultura de massas.
Nunca maltratei mulheres, nunca descriminei homossexuais, nunca humilhei deficientes físicos ou mentais, nunca oprimi negros, ainda mais que eu nasci na África, nunca espanquei transsexuais, nunca ultrajei crianças, nunca me opus ao vegetarianismo, nunca. Agora a patológica civilização ocidental quer me obrigar a reaprender a falar, utilizando termos que adoçam o sentimento de culpa e o crime. Eu não tenho culpa. 
Procurem os culpados. Encontrem-nos e punam-nos. No tribunal desta absoluta confusão mental, eu proclamo a minha inocência.

sábado, 12 de maio de 2018

O advento do pavonismo

É com profundo e extremo pesar que constato a morte do narcisismo. Adeus narcisos, adeus ninfas, adeus mitologia.
Saímos da botânica e entramos na ornitologia. Habito o planeta dos pavões. Pavões tatuados, pavões musculosos, pavões de penas sintéticas, pavões de cativeiro, pavões sabichões, pavões voadores, pavões estressados, pavões senadores, pavões magistrados, revoadas de pavões, pavões...
Darwin estava errado. A involução chegou ao Homo Pavos.

sábado, 28 de abril de 2018

Em plena caquistocracia

O GOVERNO DOS PIORES
Para entender melhor a motivação que fez esta palavra nascer (seja lá quem tenha sido o seu criador), é necessário voltar, na Grécia antiga, à obra de Políbio que morreu no ano de 125 a.C. Assim como todas as coisas estão sujeitas à degeneração, dizia ele, também degeneram as formas de governo que podemos adotar. Assim como a ferrugem para o ferro ou o caruncho para a madeira, são enfermidades internas que podem destruir esses materiais, cada um dos regimes políticos conhecidos traz consigo o risco de uma enfermidade que pode desvirtuá-lo: a monarquia, com o rei bom, pode degenerar em tirania (ou despotismo). A aristocracia, em que mandam os mais sábios (de aristós, "o melhor" + cracia, "poder"), pode degenerar em oligarquia (de olígos, "pouco" + arquia, "autoridade"), o governo de poucos, ávidos predadores da sociedade. Finalmente, a democracia (de demos, "povo") pode descambar para a oclocracia (de óclos, "multidão"), o governo da ralé que, controlada por demagogos, usa a força bruta para se sobrepor à lei e às instituições.
Políbio preconizava, como preferível, um sistema político que misturasse as virtudes das três formas benignas (monarquia, aristocracia e democracia) para estabelecer um regime misto em que os melhores mandassem em nome do povo, mas nunca chegou a pensar, como fez Michelangelo Bovero, na possibilidade oposta - um regime em que viessem a se combinar as características das três formas degeneradas (tirania, oligarquia e oclocracia). 
Bovero que é nosso contemporâneo, acompanhou a dissolução política que caracterizou a Itália de Berlusconi e viu nascer esse sistema - hoje tão próximo do Brasil e de seus vizinhos - que mistura a cega violência da massa, a oligarquia dos ricos e o autoritarismo quase ditatorial dos líderes demagógicos. Pois foi justamente para nomear esta sinistra combinação dos vícios e defeitos de todos os sistemas que lhe ocorreu (como já tinha ocorrido a outros, antes dele) juntar a cracia o elemento kakistos, "pior" (superlativo de kakos, "mau, ruim" - o mesmo que usamos em cacófato e em cacofonia). É claro que nem ele, nem Venturini, nem ninguém antes deles pode ser considerado o "pai" desta palavra. Caquistocracia nada mais é que um vocábulo que já existia virtualmente no nosso estoque de palavras possíveis, à espera apenas, de que a vida real produzisse as condições necessárias para que alguém o empregasse. E o momento é agora.
Texto adaptado do site GAUCHAZH

sábado, 14 de abril de 2018

Os encantadores de demônios

Sempre tivemos encantadores de serpentes. Hoje, nesta época encantada, temos muito mais. Há encantadores de cães, de gatos, de idiotas, de narcisos e de demônios, entre outros.
A fusão do desespero com a ignorância é terra mais do que fértil para os encantadores de demônios. Desesperado, o indivíduo faz qualquer coisa. O desespero é a razão cremada. Desesperado e ignorante, o indivíduo faz muitíssimo mais que qualquer coisa.
Os encantadores de demônios, também conhecidos como pastores neo-pentecostais, institucionalizam o encantamento do diabo. Cadê o Ministério Público?

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A maioria segundo Goethe

E este blog criado em 2013 é dedicado a todos os reféns da maioria. É provável que você também seja um refém anônimo e desamparado dessa massa amorfa e monstruosa.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Comunhão e solidão

Conviver não é de graça, embora pareça quase gratuito e muito divertido. Já a solidão, essa é um tabu ou uma doença para animais de bando. O que resta saber é qual é o preço que você pode pagar. A gorda maioria, acha uma extorsão o custo da solidão. A convivência engana mais a consciência e os sentidos. A vida em comum até pode se apresentar como ausência total de solidão.
Digamos que os mais emocionalmente pobres podem pagar o preço da comunhão. A solidão é considerada muito mais onerosa. São raros os que optam pela solidão. Solidão é para poucos. Com certeza que só  escolhe e consegue pagar o alto tributo da solidão quem pertence à casta de almas ricas.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Humanizar a pós-civilização

Nunca se empregou tanto o verbo humanizar. Quase tudo tem que ser humanizado. É bastante suspeito. Dizem que temos que humanizar a saúde, o ensino, as prisões, o atendimento, a política, os transportes e até mesmo o baixo meretrício.
É insofismável. Viramos as costas ao humanismo. Nesta pós-civilização, para não usar a palavra barbárie porque hoje tudo é pós, as relações humanas vivem um grande embaraço.
Criaram-se modismos comportamentais que nos desumanizaram. Somos cada vez mais menos humanos. A novas tecnologias tão apreciadas e decantadas são as maiores responsáveis por este ser sub-humano e exótico que nos assusta e ameaça.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O devorismo

Devorar é um ação muito associada a Cronos na mitologia grega. Cronos devora.
Hoje, precisamos de muitíssimo pouco tempo para sermos devorados ou para devorarmos nossos congêneres. Consumir é um verbo ultrapassado e obsoleto. Já passamos do consumismo ao devorismo. Vivemos tempos de extrema voracidade e sofreguidão.
Devoramos coisas e pessoas no instante breve, curto e abrupto de alguns momentos ou de meia dúzia de posts. Depois, não há mais nada nem ninguém. Resta-nos apenas a sensação pungente de uma incompletude descomunal.
Texto© : JoaquimESTEVES

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Demônios nostálgicos

Só tenho relações cordiais com demônios nostálgicos. Demônios em estado puro, não se dão comigo. Ainda que o maniqueísmo seja eivado de preconceitos, eu creio na divisão entre o bem e o mal. É inarredável. Existe o bem e o mal. Toda a argumentação em contrário, é embuste e burla.
Os demônios 24 quilates, também são conhecidos como psicopatas. Psicopata, é a terminologia científica para demônios cem por cento demônios. A psicopatia é a moléstia invisível do terceiro milênio.
Os demônios em estado puríssimo sentem-se muito atraídos pela política. A política é o paraíso dos demônios absolutos. Há demônios no paraíso.
Creio na existência de demônios totais, só isso explica o estado geral da civilização. E não adianta ficarem com raivinha de mim porque eu denuncio as calamidades do espírito. Posso provar que não sou um demônio integral e posso fundamentar tudo o que estou dizendo.
Eu também sou um Anjo Decaído, mas ainda me lembro um pouco do Jardim do Éden.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

E onde está a tua felicidade?













Onde está a tua felicidade?
Ensinaram-te a procurá-la exatamente onde ela não pode estar. No engodo do processo educacional, fizeram-te acreditar que ela estava ao alcance de todos, era fácil e visível. Bastaria para tanto, seguir os caminhos da maioria. A felicidade parece estar à espera de todo mundo, na curva do casamento, na promoção do trabalho, no acúmulo financeiro, na falsa surpresa da procriação, nos amigos, na viagem a Paris, no time de futebol, na família e na religião. A felicidade não é um sentimento acessível e revelado; a felicidade é um segredo pessoal e intransferível.
É preciso estar atento e viver alguns anos para se descobrir que a felicidade só está nas frestas da civilização, nas fissuras do grande horizonte social. Já se disse que a felicidade está nas pequenas coisas. Nada mais exato. Acrescento, entretanto, que as pequeninas coisas só cabem nas brechas e nas pequenas aberturas da atividade humana.
Espreita as fendas do que aparentemente não tem importância nenhuma. É aí que vais achar.
No teu hobby, nas tuas plantas, no teu cachorro mimado, no teu carro velho, na música da tua solidão, no café da tua manhã, no teu passeio sem pressa, no insight de uma reflexão, em um detalhe da tua casa, no afeto de uma recordação longínqua, no cochilo da tarde morna, no prazer de usar sapatos novos, no barulho da chuva chamando o sono, na visão ímpar do mar sem sol, em uma leitura breve antes de dormir, enfim, tu é que vais descobrir. Só não te esqueças de vigiar as frinchas que ninguém repara.

sábado, 16 de dezembro de 2017

O novo filósofo da sociedade moderna

Byung-Chul Han
Um dos mais reverenciados e inovadores filósofos da atualidade, Byung-Chul Han nasceu em 1959, na Coreia do Sul, mas mudou-se de armas e bagagens para a Alemanha, na década de 1980, familiarizando-se por lá com as dissertações de pensadores como Martin Heidegger. É autor de mais de uma dezena de ensaios que examinam algumas das principais ameaças do indivíduo na sociedade moderna, entre as quais a escassez de tempo para a reflexão e o vazio dos relacionamentos na era digital.
* "A sociedade do cansaço" - Sugestão de leitura de Byung-Chul Han

sábado, 2 de dezembro de 2017

A barbárie sutil





Nos achamos tão livres. Como donos de tablets e celulares, vamos a qualquer lugar na internet, lutamos pelas causas mesmo de países do outro lado do planeta, participamos de protestos globais e mal percebemos que criamos uma pós-submissão. Ou um tipo mais perigoso e insidioso de submissão. Temos nos esforçado livremente e com grande afinco para alcançar a meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Nenhum capitalista havia sonhado tanto. O chefe nos alcança em qualquer lugar, a qualquer hora. O expediente nunca mais acaba. Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras do mundo interno que agora também existe lá fora. Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária. Consumimo-nos animadamente, ao ritmo de emoticons. E assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo.Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é.
Os autônomos são autômatos, programados para chicotear a si mesmos.
Chegamos a isso: a exploração mesmo sem patrão, já que o introjetamos. Quem é o pior senhor se não aquele que mora dentro de nós? Em nome de palavras falsamente emancipatórias, como empreendedorismo, ou de eufemismos perversos como “flexibilização”, cresce o número de “autônomos”, os tais PJs (Pessoas Jurídicas), livres apenas para se matar de trabalhar. Os autônomos são autômatos, programados para chicotear a si mesmos. E mesmo os empregados se “autonomizam” porque a jornada de trabalho já não acaba. Todos os trabalhadores são culpados porque não conseguem produzir ainda mais, numa autoimagem partida, na qual supõem que seu desempenho só é limitado porque o corpo é um inconveniente.A sociedade do século 21 não é mais disciplinar, como na construção de Foucault (1926-1984). Mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas “sujeitos de desempenho e de produção”. São empresários de si mesmos. Se a sociedade disciplinar era uma sociedade de negatividade, a desregulamentação crescente acaba por aboli-la. A afirmação Yes, we can, segundo o filósofo Han, expressa o caráter de positividade da sociedade de desempenho. No lugar de “proibição”, “mandamento” ou “lei”, entram “projeto”, “iniciativa” e “motivação”. Assim, não é um acaso que a depressão é a doença dessa época. A sociedade disciplinar é dominada pelo “não”. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, para a qual teríamos “evoluído”, ao contrário, produz depressivos e fracassados. A sociedade do desempenho, nas palavras de Han, produz infartos psíquicos.
“Por falta de repouso, nossa civilização caminha para a barbárie”
A contemplação é civilizatória. E o tédio é criativo. Mas ambos foram eliminados pelo preenchimento ininterrupto do tempo humano por tarefas e estímulos simultâneos. Você executa uma tarefa e atende ao celular, responde a um WhatsApp enquanto cozinha, come assistindo à Netflix e xingando alguém no Facebook, pergunta como foi a escola do filho checando o Twitter, dirige o carro postando uma foto no Instagram, faz um trabalho enquanto manda um email sobre outro e assim por diante. Duas, três… várias tarefas ao mesmo tempo. Como se isso fosse um ganho – e não uma perda monumental, uma involução. Voltamos ao modo selvagem. Nietzsche (1844-1900), ainda na sua época, já chamava a atenção para o fato de que a vida humana finda numa hiperatividade mortal se dela for expulso todo elemento contemplativo: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie”. Frente à vida desnuda, aponta Han, reagimos com hiperatividade, com a histeria do trabalho e da produção. A agudização hiperativa da atividade faz com que essa se converta numa hiperpassividade. Aderimos a todo e qualquer impulso e estímulo. Em vez da liberdade, novas coerções. Só por meio da negatividade do parar interiormente, o sujeito de ação pode dimensionar todo o espaço da contingência que escapa a uma mera atividade. Vivemos, diz ele, num mundo muito pobre de interrupções, pobre de entremeios e tempos intermédios. 
Assim, o que parece movimento pode ser apenas adesão e paralisia. O ativo, ou o hiperativo, talvez seja de fato um hiperpassivo. Se há um tempo só, o do acontecimento, ou se tudo é acontecimento, nada de fato acontece. Em parte, explica a sensação de que tudo é efêmero, de que o espasmo de um segundo atrás, que produziu gritos e fúrias, tornou-se distante, substituído por outro que também produz gritos e fúrias, e que um segundo adiante já não será. E logo não se sabe exatamente pelo que se grita e pelo que se enfurece, mas o imperativo é seguir gritando e se enfurecendo. 
Nessa atualidade histérica, a irritação substitui a ira. Voltando às palavras de Han: “A ira é uma capacidade que está em condições de interromper um estado, e fazer com que se inicie um novo estado. Hoje, cada vez mais, ela cede lugar à irritação ou ao enervar-se, que não podem produzir nenhuma mudança decisiva”. Há que se escutar o mal-estar – e não calá-lo.
A positividade dessa época tem, no meu modo de ver, um desdobramento nessa crise tão particular do Brasil. Temos sido instados a ser “otimistas” ou a escolher este ou aquele lado “para recuperar o otimismo”. Como se a questão se desse em torno do otimismo/pessimismo, ou como se o otimismo fosse uma qualidade moral. Essa positividade também me parece aqui ganhar uma relação com a esperança, como já escrevi neste espaço. Como se o esperançoso tivesse uma qualidade moral a mais, o que o colocaria um ou vários patamares acima de todos os outros. E como se esse momento fosse uma questão de esperança ou de resgate da esperança, para além das manipulações marqueteiras mais óbvias. Pouco importa o otimismo/pessimismo, pouco importa a esperança. O buraco é muito mais fundo. 
Há que se escutar o mal-estar – e não calá-lo.
Vivê-lo num processo de interrogação, vivê-lo como movimento. Carregar os limites, sem confundir ter limites com estar paralisado. Não há potência total, não há tudo é possível, não há Yes, we can. Não ter potência total não é o mesmo que ser impotente. A ilusão da potência total é que acaba levando à impotência. Há potência em dizer não – e há potência em não fazer. Como Bartleby, o personagem de Herman Melville intuiu, “prefiro não fazer” pode ser um ato de resistência e de reconexão com a própria humanidade.
“O computador é burro porque não é capaz de hesitar”
Em mais um paralelo com as crises do Brasil atual, chama a atenção a necessidade de respostas imediatas, de explicações instantâneas, de certezas. Em alguns momentos mais agudos, uma parcela da própria imprensa parece ter se esquecido de fazer perguntas. A exigência de respostas imediatas, respostas que não passem pela investigação e pela interrogação, leva à resposta nenhuma. Porque não há pergunta. Porque o pensamento está ausente, foi substituído pelo reflexo e pelo imperativo de preencher o vazio com palavras. Não há mérito na velocidade, nadas imediatos continuam sendo nadas. Ou coisa pior. Como aponta Han, apesar de todo o seu desempenho, o computador é burro, na medida em que lhe falta a capacidade para hesitar. Se o computador conta de maneira mais rápida que o cérebro humano e acolhe uma imensidão de dados é também porque está livre de toda e qualquer alteridade. É, por excelência, uma máquina positiva. Tornar essa positividade uma qualidade a ser imitada é uma estupidez a qual temos aderido. 
Há anos ouvimos tantos repetindo por aí: “Estou cansad@”. O cansaço, diz Han, é mais do menos eu. Mas a tragédia é que “o menos no eu se expressa como um mais para o mundo”. E assim, a sociedade do cansaço, enquanto uma sociedade ativa, desdobra-se lentamente numa sociedade do doping. E leva a um “infarto da alma.
Senhor e escravo ao mesmo tempo, temos uma chance enquanto houver também um rebelde. Escutá-lo é preciso. Anestesiá-lo não é. 
Trecho de Exaustos-e-correndo-e-dopados – De Eliane Brum, extraído de El País
*Byung-Chul Han é um filósofo e ensaísta sul coreano radicado na Alemanha.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Esclarecimentos sobre a inveja


No latim, invidia relaciona-se com a noção de "ver" (videre). O prefixo in associado à visão invejosa, que não desgruda dos bens alheios, mostra o quanto há de recusa e de ódio nesse olhar.
Não é à toa que se fala em "olho gordo", porque doentes e deformados estão os olhos de quem não se admira positivamente com o que dá alegria aos outros.
Dante, na Divina comédia, apresenta os invejosos no Purgatório, com os olhos costurados. Quem, durante a vida, não soube apreciar o bom e o belo com abertura de coração, depois da morte não conseguirá enxergar nada.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

De súbito

De súbito, todos ficaram susceptíveis. Estão todos tensos, demasiado sensíveis e com os nervos à flor da pele. Qualquer palavra mal colocada pode ser motivo de ódio e de processos. De súbito, todos se elegeram salvadores da humanidade. Todos sabem tudo e mais alguma coisa. São poucos os que escapam aos prazeres sórdidos da arrogância. 
Quase tudo é preconceito. São poucas as coisas que não são catalogadas como machismo. De súbito, surgiram centenas de novos transtornos elencados pela Sociedade Americana de Psiquiatria e paradoxalmente a felicidade se impõe e se esparrama nas redes sociais como o grande padrão irrefutável das sensações humanas. Os antidepressivos fabricam na surdina o formidável júbilo químico.
De súbito, exterminaram as boas maneiras e os bons dias são arrancados a ferros. Perdeu-se o gosto pelo som das palavras, pelas entonações e pela metalinguagem. Os corpos se expõem rabiscados e imperam espantosas bitolas de beleza física; os narcisos substituíram os terráqueos. 
De súbito, fala-se muito em diversidade e o que se vê é uma argumentação homogênea. A comunicação primitiva por imagens frívolas pretende sobrepôr-se à beleza e à grandeza da literatura. Ninguém mais lê nada, muito menos esta postagem.
De súbito, instaurou-se sub-reptícia e subliminarmente um fascismo alegre, bem disposto, regado a álcool e  com ares de extrema liberdade. Vivemos um fascismo  revisitado, atualizado e remasterizado pelas novas tecnologias. Nunca estivemos tão iludidos. Nunca foi tão apropriada a expressão: "as aparências enganam", para definir esta triste época.
De súbito, tornei-me impopular e detestado por ter a coragem que há muito deixou este mundo covarde que estrebucha nos paroxismos da mais suprema hipocrisia.
De súbito.